Fragmentos recentes do “Livro de Eros” - Casimiro de Brito
Fragmentos recentes do “Livro de Eros”
4222
Amando-te lembro a primeira vez que senti o sangue, a primeira vez que
regressei ao centro do mundo.
4223
Ela fere-me. Há facas doces.
4224
Ainda que me afunde no corpo amado e com ele me funde jamais poderei colher a
sua música e a sua seiva que, oferecendo-se, se recusa. E vivo simulacros. Os
dela, vénus e os meus que, tentando concentrar-se, se multiplicam. E assim
renasce e volta a renascer a flor da juventude — esforço vão e inadiável para
possuir o que, para sempre, se outra.
4225
Até na tua sombra te reconheço.
4226
A mulher é obscura e, subitamente, ilumina-me. Encandeia-me. E então fecho os
olhos para vê-la melhor. E para me salvar.
4227
A mulher, vejo-a, encandeio-me. Ela é a mais íntima reprodução da luz.
4228
Deixei de te amar e nunca saberei porquê. Dói. O que foi delicado e luminoso
obscureceu. Mas subitamente senti em ti um fantasma, e doeu. Elevou-se um grito
depois do vazio — e esse vazio afunda-me mas depois fecho os olhos, caio nas
manhãs antigas e deixo novamente de saber quem sou.
4229
O vestido da minha amada, tão branco, tem todas as cores de que preciso.
4230
Sinto-me um seixo nas mãos de quem amo, dentro das veias da minha amada. Um
pequeno seixo que irradia uma luz que eu não conhecia. Mas que tu recebes no
teu seio como se outra luz não houvesse. E talvez — outra igual — não haja.
4231
Deixa-me escrever um pouco mais, um pouco mais silenciosamente no papel do teu
corpo.
4232
Beijas-me o coração e só eu sei.
Casimiro
de Brito
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