"alguém salgado porventura" - Herberto Helder
alguém salgado porventura
alguém salgado porventura
te
toca
entre as omoplatas,
alguém algures sopra quente nos
ouvidos,
e te apressa, enquanto corres
algumas braças acima
do chão fluido, leva-te a luz e
subleva,
tão aturdidos dedos e sopros,
até ao recôndito,
alguma vez te tocaram nas têmporas e
nos testículos, alto,
baixo,
com mais mão de sangue e abrasadura,
e te cruzaram nesse furor,
e criaram, com bafo
ardido, ásperos sais nos dedos, e te
levaram,
a luz corrente lavrando o mundo,
cerrado e duro e doloroso, acaso
sabias
a que domínios e plenitudes
idiomáticas
de íngremes ritmos, que buraco negro,
na labareda radioactiva,
bic cristal preta onde atrás raia às
vezes
um pouco de urânio escrito
Herberto Helder
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