sábado, 16 de julho de 2022

"alguém salgado porventura" - Herberto Helder

 




alguém salgado porventura

 

 

 



alguém salgado porventura


te


toca


entre as omoplatas,


alguém algures sopra quente nos ouvidos,


e te apressa, enquanto corres


algumas braças acima


do chão fluido, leva-te a luz e subleva,


tão aturdidos dedos e sopros,


até ao recôndito,


alguma vez te tocaram nas têmporas e nos testículos, alto,


baixo,


com mais mão de sangue e abrasadura,


e te cruzaram nesse furor,


e criaram, com bafo


ardido, ásperos sais nos dedos, e te levaram,


a luz corrente lavrando o mundo,


cerrado e duro e doloroso, acaso


sabias


a que domínios e plenitudes idiomáticas


de íngremes ritmos, que buraco negro,


na labareda radioactiva,


bic cristal preta onde atrás raia às vezes


um pouco de urânio escrito

 

 



Herberto Helder


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