quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

"Bolero do coronel sensível que fez amor em Monsanto" - António Lobo Antunes

 




Bolero do coronel sensível que fez amor em Monsanto

 

 

 

 

 



Eu que me comovo


Por tudo e por nada


Deixei-te parada


Na berma da estrada


Usei o teu corpo


Paguei o teu preço


Esqueci o teu nome


Limpei-me com o lenço


Olhei-te a cintura


De pé no alcatrão


Levantei-te as saias


Deitei-te no banco


Num bosque de faias


De mala na mão


Nem sequer falaste


Nem sequer beijaste


Nem sequer gemeste,


Mordeste, abraçaste


Quinhentos escudos


Foi o que disseste


Tinhas quinze anos


Dezasseis, dezassete


Cheiravas a mato


À sopa dos pobres


A infância sem quarto


A suor, a chiclete


Saíste do carro


Alisando a blusa


Espiei da janela


Rosto de aguarela


Coxa em semifusa


Soltei o travão


Voltei para casa


De chaves na mão


Sobrancelha em asa


Disse: fiz serão


Ao filho e à mulher


Repeti a fruta


Acabei a ceia


Larguei o talher


Estendi-me na cama


De ouvido à escuta


E perna cruzada


Que de olhos em chama


Só tinha na ideia


Teu corpo parado


Na berma da estrada


Eu que me comovo


Por tudo e por nada



 

 

 

 

António Lobo Antunes



 

 

 

 

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