"Sobre importâncias" - Manoel de Barros
Sobre importâncias
Um fotógrafo-artista me
disse outra vez: Veja que pingo de sol no couro de um lagarto é para nós mais
importante do que o sol inteiro no corpo do mar. Falou mais: que a importância
de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem com barômetros
etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a
coisa produza em nós. Assim um passarinho nas mãos de uma criança é mais
importante para ela do que a Cordilheira dos Andes. Que um osso é mais importante
para o cachorro do que uma pedra de diamante. E um dente de macaco da era
terciária é mais importante para os arqueólogos do que a Torre Eifel. (Veja que
só um dente de macaco!) Que uma boneca de trapos que abre e fecha os olhinhos
azuis nas mãos de uma criança é mais importante para ela do que o Empire State
Building. Que o cu de uma formiga é mais importante para o poeta do que uma
Usina Nuclear. Sem precisar medir o ânus da formiga. Que o canto das águas e
das rãs nas pedras é mais importante para os músicos do que os ruídos dos
motores da Fórmula 1. Há um desagero em mim de aceitar essas medidas. Porém não
sei se isso é um defeito do olho ou da razão. Se é defeito da alma ou do corpo.
Se fizerem algum exame mental em mim por tais julgamentos, vão encontrar que eu
gosto mais de conversar sobre restos de comida com as moscas do que com homens
doutos.
Manoel de Barros. Memórias
inventadas – a segunda infância. São Paulo: Editora Planeta, 2006.
0 comentários:
Postar um comentário