Fragmentos sobre poesia do livro em oficina “Pontos luminosos" - Casimiro de Brito
Fragmentos
sobre poesia do livro em oficina “Pontos luminosos”
83
Ter sido filho único levou-me a criar amigos imaginários. Teatro ao vivo. E uma
amante para a vida, devoradora de tudo quanto se aproxima, para o bem e para o
mal: a poesia.
194
Acolho-me na folhagem da poesia.
237
Invisível o sangue da poesia. Não posso deixar de o beber.
290
Chove. Quando menos espero. E chove também dentro de mim. Refugio-me na tenda
da poesia.
376
A poesia? Um pouco de areia cheia de luz, de música.
412
O que é a poesia? Um espelho despedaçado, mil pedaços. A cada um o seu. A cada
um a leitura original do poema.
524
A poesia, em mim, não é uma voz — é uma orquestra. E não há partitura — ou vem
do aquém e do além, de onde raramente sei. Sementes. Sementes que se apresentam
sob a forma de canto, cantos.
601
Se a poesia é Um e Tudo, como pretende Novalis — e se a filosofia é a teoria da
poesia, resta-me concluir que a poesia não é o poema mas o mundo, a vida. Ou
então que a vida e o mundo são um poema — um poema em movimento. Por isso o
verdadeiro poema é esse que se dá a ler (a viver) de várias maneiras.
734
O vento escreve prosa ou poesia?
846
Onde está a ponte entre a vida e a poesia? Leio a vida como se fosse um poema
e, no poema, derramo toda a vida de que disponho.
952
Aprendi a poesia ao colo de um poeta. Tinha eu oito anos de idade. O meu pai
tinha uma taberna e todos os dias o meu primeiro poeta ali chegava para
“oferecer” o poema do dia. Tinha um público certo, que o esperava, sequioso.
Era uma espécie de “jornal do dia” o que ele recitava. Depois ele partiu e eu
fiquei a pensar naquilo. Que queria fazer aquilo. O poeta foi o António Aleixo
e, em quadras populares, escreveu do melhor da nossa língua: era a música, era
a filosofia, era a crítica social em quatro versos. Um perfeito exemplo de
cidadania — como agora se diz. Uma das suas quadras:
Sei que pareço um ladrão
mas há muitos que eu conheço
que não parecendo o que são
são aquilo que eu pareço.
1156
Poesia heroína da filosofia, disse Novalis. Visão perfeita: a filosofia a
demonstrar o que a poesia mostra, que ela é “isto” e que “isto é tudo”.
1242
A poesia nada sabe de si. Nem a música. Nem nós sabemos.
1386
Na poesia a rã, de tão frágil, triunfa. Levanta-se do charco e cai no meu
olhar.
1418
Quem fala de poesia fala do ínfimo, do mínimo: a poesia (a de sempre) é uma
gota desses oceanos de beleza e de fulguração.
1501
O condimento mais relevante da poesia é o silêncio.
1631
Os cinco poderes: religião, filosofia, poesia, música e silêncio. A religião é
inconsistente. A filosofia envelhece a olhos vistos. A poesia está cada vez
mais fresca e vibrante — posso ler com emoção um poema escrito há milhares de
anos. Imortal, também, a grande música. E o silêncio? Uma utopia sem fim.
1742
A poesia não é só uma arte. É também um ofício.
1760
A poesia é mais do reino da desordem que no reino da ordem.
1812
Não sei quem sabe mais, se a música ou a palavra. Não sei quem mais sabe, se a
poesia ou a filosofia.
1849
A poesia escreve-se com um pincel invisível.
1913
Doutor em poesia. A tese foi sobre a música do silêncio.
Casimiro de Brito
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