quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Fragmentos sobre poesia do livro em oficina “Pontos luminosos" - Casimiro de Brito




 


Fragmentos sobre poesia do livro em oficina “Pontos luminosos”




83


Ter sido filho único levou-me a criar amigos imaginários. Teatro ao vivo. E uma amante para a vida, devoradora de tudo quanto se aproxima, para o bem e para o mal: a poesia.


194


Acolho-me na folhagem da poesia.


237


Invisível o sangue da poesia. Não posso deixar de o beber.


290


Chove. Quando menos espero. E chove também dentro de mim. Refugio-me na tenda da poesia.


376


A poesia? Um pouco de areia cheia de luz, de música.


412


O que é a poesia? Um espelho despedaçado, mil pedaços. A cada um o seu. A cada um a leitura original do poema.


524


A poesia, em mim, não é uma voz — é uma orquestra. E não há partitura — ou vem do aquém e do além, de onde raramente sei. Sementes. Sementes que se apresentam sob a forma de canto, cantos.


601


Se a poesia é Um e Tudo, como pretende Novalis — e se a filosofia é a teoria da poesia, resta-me concluir que a poesia não é o poema mas o mundo, a vida. Ou então que a vida e o mundo são um poema — um poema em movimento. Por isso o verdadeiro poema é esse que se dá a ler (a viver) de várias maneiras.


734


O vento escreve prosa ou poesia?


846


Onde está a ponte entre a vida e a poesia? Leio a vida como se fosse um poema e, no poema, derramo toda a vida de que disponho.


952


Aprendi a poesia ao colo de um poeta. Tinha eu oito anos de idade. O meu pai tinha uma taberna e todos os dias o meu primeiro poeta ali chegava para “oferecer” o poema do dia. Tinha um público certo, que o esperava, sequioso. Era uma espécie de “jornal do dia” o que ele recitava. Depois ele partiu e eu fiquei a pensar naquilo. Que queria fazer aquilo. O poeta foi o António Aleixo e, em quadras populares, escreveu do melhor da nossa língua: era a música, era a filosofia, era a crítica social em quatro versos. Um perfeito exemplo de cidadania — como agora se diz. Uma das suas quadras:


Sei que pareço um ladrão


mas há muitos que eu conheço


que não parecendo o que são


são aquilo que eu pareço.


1156


Poesia heroína da filosofia, disse Novalis. Visão perfeita: a filosofia a demonstrar o que a poesia mostra, que ela é “isto” e que “isto é tudo”.


1242


A poesia nada sabe de si. Nem a música. Nem nós sabemos.


1386


Na poesia a rã, de tão frágil, triunfa. Levanta-se do charco e cai no meu olhar.


1418


Quem fala de poesia fala do ínfimo, do mínimo: a poesia (a de sempre) é uma gota desses oceanos de beleza e de fulguração.


1501


O condimento mais relevante da poesia é o silêncio.


1631


Os cinco poderes: religião, filosofia, poesia, música e silêncio. A religião é inconsistente. A filosofia envelhece a olhos vistos. A poesia está cada vez mais fresca e vibrante — posso ler com emoção um poema escrito há milhares de anos. Imortal, também, a grande música. E o silêncio? Uma utopia sem fim.


1742


A poesia não é só uma arte. É também um ofício.


1760


A poesia é mais do reino da desordem que no reino da ordem.


1812


Não sei quem sabe mais, se a música ou a palavra. Não sei quem mais sabe, se a poesia ou a filosofia.


1849


A poesia escreve-se com um pincel invisível.


1913


Doutor em poesia. A tese foi sobre a música do silêncio.




Casimiro de Brito

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