quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

"Leito profano" - Ronaldo Costa Fernandes

 






Leito profano

 

 



Os amantes se unem na formidável imagem


de um ser de quatro pernas e quatro braços.


Os amantes não são dois, muito menos um,


são muitos que se deitam na mesma cama


de gemidos vicinais, de rios abundantes


que desembocam, ora rudes, ora alegres,


numa foz dissoluta de líquidos e vozes.




Multiplicam-se, cercados de fantasmas erradios,


horizontal floresta de pelos e peles.


A branca flor do desejo,


tão pura e difícil


como a travessia na corda bamba


entre dois prédios que não existem.




Solícita e adocicada,


a matéria se corrompe


à quentura dos nervos


ou à mansidão do fastio.


O fascínio pelo abismo que é pôr


o pé no chão frio ao baixar do leito.


No leito deste rio,


só há fluidez de pesadelos ansiosos,


umedecidos, e de correntezas de ar e culpa.


O travesseiro que cumpre seu nome:


atravessar o vivente


para as águas profundas do dormente.



 

 

Ronaldo Costa Fernandes


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