terça-feira, 1 de setembro de 2020

Revista USP, n. 125 (2020): Dossiê Saramago


Há uma cena logo no início do filme A chegada (2016), na qual a personagem central, uma linguista, propõe uma aula sobre a história da língua portuguesa. Quando está dizendo para a sala, mais ou menos vazia, que o português surge num tempo em que a língua era vista como uma expressão de arte, ela é interrompida pelos inúmeros celulares que começam a tocar incessantemente, cujo suspense dará espaço para o desenrolar da trama de ficção científica do longa de Denis Villeneuve. Pois bem. O fato é que, não obstante a irrelevância do conteúdo da aula para o desenvolvimento da ação narrativa do filme, alguns de nós ficamos curiosos por saber aonde a protagonista, interpretada pela atriz Amy Adams, iria chegar (sem nenhuma ironia ao título do filme) com aquele comentário. Mas, pensando bem, não é tão difícil assim. Decerto falaria da idade de ouro renascentista, citaria Camões, Gil Vicente, lembraria o aluvião inventivo do Barroco, com Vieira, quem sabe Rodrigues Lobo ou Gregório, passaria por Herculano, Garrett, Alencar, Camilo, Machado, Eça, Rosa... e, seguindo esse percurso, ou veredas, inevitavelmente chegaria a José Saramago. Saramago soube como ninguém enxergar a língua, essa nossa língua portuguesa, como expressão de arte. Uma arte para a qual, aludiu certa vez, pressupõe-se a metáfora da crisálida, sendo a transformação sua força motriz e mecanismo de sobrevivência. “Não se inventam, pois, as línguas, mas talvez possam, e devam, ser reinventadas”, era no que acreditava esse ateu convicto e que foi, sobretudo, um mestre do ofício de escrever; ou, como preferia, um prático, a quem foi “vedado penetrar em arcanos teóricos”. Do exercício desvelado dessa prática é que surgiram – para nossa sorte! – 18 romances e outros tantos contos e peças e crônicas e poemas e memórias. Dez anos após sua morte, suas histórias – e a forma como soube contá-las – continuam a nos maravilhar e a suscitar leituras as mais diversas e instigantes. O dossiê deste número da Revista USP, organizado por Jean Pierre Chauvin, da ECA/USP, e inteiramente dedicado à sua obra, é prova disso.
Jurandir Renovato

Para acessar o conteúdo integral da revista clique aqui

0 comentários:

  © Blogger template 'Solitude' by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP