Afilhada do Partido Comunista, chinesa quer se tornar diva mundial
"O poder é como o amor: mais fácil sentir do que definir ou
medir", comparou certa vez o estrategista americano Joseph Nye, criador do
badalado conceito de "soft power". Traduzido livremente, é o
"poder suave" ou a capacidade de um país de influenciar outros com
seus atrativos culturais, sem pressão militar ou econômica. Nesse jogo de
sedução global, nada mais eficaz do que uma canção de amor, aposta a cantora
Ruhan Jia. Seu sonho é seguir os passos das estrelas que admira, como Celine
Dion, Mariah Carey e Sarah Brightman, e se tornar a primeira diva chinesa da
música em escala mundial. E tem um padrinho de peso: o Partido Comunista da
China.Ruhan Jia, 31, foi a primeira contratada da Earth Music, uma produtora
criada pelo governo em 2011 para promover artistas com potencial de sucesso
internacional. É mais uma iniciativa do regime para tentar criar "soft
power", uma obsessão num país que já tem a maior economia do mundo,
segundo cálculo do FMI, e presença global cada vez mais forte em tudo, menos na
área cultural. Os EUA têm Hollywood, a França a gastronomia, o Brasil o futebol
e a imagem de povo de bem com a vida, entre exemplos de países com atrativos
que fazem outros quererem ser como eles. E a China? O poder que a ascensão
chinesa costuma evocar é "hard" (duro).
Elegante, num longo casaco de couro preto até os joelhos que a protege
do friozinho matinal da primavera em Pequim, Ruhan tem os modos contidos,
deixando transparecer a disciplina adquirida sob a rígida educação da mãe. Mas
ela não consegue segurar o riso quando perguntada sobre a responsabilidade de
ser a escolhida como uma das caras -e vozes- do "soft power" chinês.
"Sou uma cantora, leal só à minha música", diz. Sorriso fácil,
simpatia sem afetação ou pose de diva, Ruhan até que tem um certo poder suave.
Mas o que surpreende é sua franqueza. "O governo talvez fale em conquistar
o mundo, mas eu nunca penso nisso. Tenho a ambição de conquistar o mundo, sim,
mas com minha música." Projetos destinados a transformar a China numa
potência cultural estão por toda parte, da compra de times de futebol europeus
à construção de uma Hollywood chinesa, na cidade costeira de Qingdao. Ruhan
demonstra ceticismo. "Uma potência cultural não se faz apenas com grandes
construções. O verdadeiro 'soft power' são as pessoas. É preciso
educá-las." Quando canta, Ruhan deixa a política de lado e se concentra em
exibir o virtuosismo de soprano construído em uma vida inteira dedicada à
música, desde as lições de piano iniciadas aos quatro anos por pressão da mãe.
O projeto de transformá-la em diva mundial tem o apoio do governo, mas não dos pais
da cantora, um funcionário público e uma professora universitária de música.
"Eles preferiam que eu seguisse carreira acadêmica", diz Ruhan.
O treinamento rígido e o empurrãozinho do governo fazem dela uma das
principais promessas de internacionalização da cultura chinesa. O modelo,
admitido abertamente, é a Coreia do Sul e sua indústria pop responsável por
fenômenos que conquistaram o mundo, das novelas ao megahit "Gangnam
Style", do cantor Psy. Com o incentivo oficial, a produção cultural
explodiu, fazendo a Coreia do Sul desbancar o Japão como o principal definidor
de tendências da Ásia. Em seu álbum mais recente, "Smile", gravado
entre Xangai e Paris, Ruhan Jia canta em chinês, italiano, inglês e francês. O
repertório é eclético, talhado para se encaixar nas paradas internacionais.
Entre as dez faixas há desde uma rara canção étnica chinesa até uma nova versão
de "Ave-Maria". A versão digital do álbum já foi lançada no Brasil, e
o próximo passo é preparar uma turnê no país. Ruhan adora a ideia. Não esconde
que o "poder suave" brasileiro a acertou em cheio. "O Brasil é o
país dos meus sonhos. Lindo, sol o ano inteiro, pessoas glamorosas. E tem uma
música sexy, cheia de paixão. Bossa nova é meu estilo favorito. Quero incluir
canções brasileiras em meu repertório", diz. Curiosamente, talvez o mais
difícil para um som com tamanha pretensão internacional seja conquistar o
público doméstico. Ruhan conta que é sempre bem recebida no exterior, mas que
na China o gosto musical do público ainda não é desenvolvido. "Fiz uma
apresentação no Arco do Triunfo, em Paris, e os franceses me adoraram. Aqui na
China, dizem que minha música é bonita, mas quieta demais. Querem bum, bum,
bum", diz, imitando o bate-estaca das canções mais populares. "Ainda
levará algum tempo para o gosto melhorar na China."
Fonte: Aqui
Veja a interpretação de "Ave Maria" na voz de Ruhan
Jia clicando no vídeo aqui
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