segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

"Um dia, sentarei na calçada" - Mahmoud Darwish

 



Um dia, sentarei na calçada 

 




Um dia sentarei na calçada... na calçada de uma estranha.


Não terei sido um narciso, embora eu defenda a minha imagem


nos espelhos. Você já não esteve um dia aqui, estranho?


Quinhentos anos se passaram, e a nossa separação ainda está incompleta,


as nossas cartas não foram interrompidas, as guerras


não modificaram os jardins de Granada. Um dia passarei por suas luas


e roçarei o meu desejo num limão... Abrace-me para eu poder renascer


dos aromas de um sol e de um rio sobre os seus ombros, e dos pés


que arranham a tarde, e a tarde que chorará como leite para a noite do poema...


Não terei sido um passante na palavra dos cantadores... eu seria


a própria palavra dos cantadores, a paz de Atenas e Pérsia,


um Oriente que abraça um Ocidente na partida rumo a uma essência única.


Abrace-me para eu poder renascer das espadas damascenas nos mercados.


Nada sobrou de mim além do escudo antigo e da cela dourada do meu cavalo.


Nada sobrou de mim além de um manuscrito de Averróis, o Colar da Pomba, e as

traduções...


Eu costumava sentar na calçada da Praça Margarida


e contava as pombas: uma, duas, trinta... contava as meninas


que disputavam a sombra das árvores sobre o mármore,


e as folhas da idade me abandonavam amarelas.


O outono passou por mim, e eu não percebi,


todo o outono passou, e a nossa história passou na calçada...


                                     e eu não percebi!



 

Mahmoud Darwish




(Poeta palestino)


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