Revelações sobre corrupção militar estão só no começo, diz pesquisador
O texto
abaixo é a resposta enviada pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, à carta escrita por mim e endereçada a ela, há duas semanas.
Naquela mensagem, eu fazia um apelo para que a ministra ousasse uma revolução
na cultura e a transformação da arte e literatura em instrumentos da promoção
de democracia.
Na carta, eu relatei minha experiência na
cidade de Paracatu (MG), que recebeu há poucas semanas seu primeiro festival de
literatura. Naqueles dias, as filas que se formavam na livraria improvisada não
eram apenas de pessoas em busca de livros. Sonhavam, ali, com cidadania.
————————————————————————
Caro
Jamil Chade,
Recebi sua
carta trazendo notícias do Festival Internacional Literário de Paracatu
(Fliparacatu). O festival tomou como fio condutor a vida e a obra de Cândido
Portinari, que estava em exposição a céu aberto na cidade do noroeste de Minas
Gerais, sob o título Portinari Negro. Você diz que os painéis serviam de
convite para a nação se olhar no espelho.
O festival
teve com tema Arte, Literatura e Ancestralidades e foi possível por meio da Lei
Rouanet, principal instrumento de fomento e incentivo à cultura do Ministério
da Cultura (MinC).
Na
carta você nos convida a mergulhar em uma reflexão sobre democracia, elevando
nossa visão sobre esse Brasil real.
Dentre
muitas coisas que você escreve falando dessa força chamada democracia, que
reside na arte, você fala sobre os autores negros, homens e mulheres que
declaram: "A era da História única acabou".
Eis
que dali vem um lembrete: "em suas mãos, ministra, está também a alma de um
país", seguido de um convite, uma provocação: "Ouse uma
revolução".
É
exatamente daí, desse caldo, Jamil, que eu venho.
Eu, como
mulher negra, nesse momento vivenciando a possibilidade de estar como ministra
da Cultura do Brasil, convidada pelo presidente Lula, que é um visionário, um
homem com uma história diferenciada e que nesse momento é presidente do Brasil,
do Mercosul e do G20.
Um homem que
tem uma visão cosmopolita de política, que passou fome, mas quer trazer
fartura, que foi perseguido e preso, mas luta pela paz no mundo. E ama a
natureza. Tudo isso traz um sopro de esperança para o povo brasileiro.
Pois eu
também já tenho em mim os ecos dessa revolução. Uma revolução silenciosa, que
ao invés de armas traz os livros, que ao invés de ódio quer amor, ao invés de
acomodação propõe movimento e que, ao invés de violência, traz a paz.
A sua
provocação corresponde ao que eu tenho falado e conversado com algumas pessoas
há algum tempo.
Já existe
uma nova geração chegando nos lugares de poder no Brasil. E não podemos negar
que a diversidade do povo brasileiro chegou aos grandes meios de comunicação e,
assim, chegamos a lugares que pareciam inalcançáveis.
Penso que
está mais do que na hora de uma Nova Semana de Arte, uma ação onde convidaremos
gente que queira contribuir para pensar e reapresentar o Brasil a nós. Um
Brasil que conheça o Brasil, um Brasil que socorra o Brasil, a Brasil que
assuma o Brasil.
Vamos nos
preparar para esse seminário inclusivo e, a partir daí, traçar o que queremos
que seja realmente essa identidade plural e dinâmica, para os próximos tempos.
A
revolução sem armas na mão. A luta pela liberdade, a luta pela igualdade, a
luta por espaço de expressão e por sobrevivência está embutida no DNA do povo
negro e do povo originário desse país e em todos que querem um mundo melhor. Está
posta!
Como podemos
ver, no Brasil ainda existem aqueles que preferem as trevas da ignorância, a
violência, a falta de liberdade como condição de vida.
Esses
são os curtos de visão, esses são os que estão conformados nas suas vantagens
construídas com o sofrimento e o sangue derramado dos outros.
Existem os
que tiram vantagens da falta de oportunidade, da desigualdade social como forma de opressão.
Esses são
os que não querem um país com as feições dos povos indígenas, um país com o
rosto da população negra. Povos originários e fundantes das expressões
culturais que fazem nossa identidade, que são e dão nossas marcas e
características, em modos, costumes, memórias, narrativas.
Esta imagem
que se faz refletida a partir de nós é a nossa força, contém nossos patrimônios
culturais, materiais, imateriais. Somos essa gente que festeja em cada pedaço
de chão, em todas as regiões, em terra firme ou em mar aberto, mantendo
tradições diversas, criando novidades e contemporaneidades, sem perder de vista
as raízes.
A
alegria é tecnologia ancestral de sobrevivência. Nossos mestres e mestras da
cultura popular nos provam isso, ao manter e compartilhar suas histórias e
conhecimentos.
Essa
imagem tão nossa, Jamil, é a mesma que tantas vezes foi renegada, relegada e
vilipendiada, principalmente em tempos de ameaça à democracia, como aqueles
recentes em que o Brasil viveu, onde o direito constitucional à cultura e o
dever do estado de promovê-la e fomentá-la foram negligenciados, desrespeitados
e muitas vezes, destruídos.
Ao mesmo
tempo, esse é o mesmo país de altas tecnologias, como as de aeronáutica e as
tecnologias do pré-sal, que foram roubadas e vendidas recentemente, onde
existem profissionais de excelência nas mais variadas áreas.
E entre uma
realidade e outra, o enorme buraco da desigualdade social, que é a verdadeira
ferida que propositadamente se construiu e foi até pouco tempo alimentada, se
constituiu no abismo que separa esses dois Brasis.
A
construção desse novo momento, do qual já nos chegam alguns ares, se faz pelas
mãos do povo que soube tirar vantagens com as poucas oportunidades que foram
construídas com pontes de baixo para cima, de trazer à tona nossos valores que
abrigam a diversidade, a coletividade, a livre expressão de todas as pessoas,
de todas as formas de representações artísticas.
Nossa
revolução está em curso quando três curadores negros inauguram a 35º Bienal de
São Paulo, encarando de frente a beleza e a diversidade do Brasil real.
Construiremos
outros espelhos. Abriremos nossos olhos. Ampliaremos o arco dos nossos braços e
abraços - pois aí reside a alma do nosso país. Nele mesmo. E na potencialização
de seus talentos e tesouros.
Como falei
antes, fizemos uma Semana de Arte Moderna, histórica, mas que deixou muita
gente de fora, mesmo que bebesse de sua fonte. Vamos fazer um novo marco para
nossa revolução, que dê espaço para o pensamento libertário, para a arte que
venha de cada um e de todos - uma nova Semana de Arte, espelho e reflexo de
nossa cara, quem sabe quando o país receber a Reunião do G20? Sim, estaremos
prontos.
É um
Brasil brasileiro a bandeira da nossa revolução. Vamos nos aceitar e fazer com
que nos aceitem. Não deixaremos que seja apequenado um país gigante e
culturalmente diverso.
É por meio
dessa visão que vamos movimentar a economia, como já fazemos. Queremos a
cultura como o grande vetor de desenvolvimento social, humano e econômico e a
indústria criativa é um caminho imprescindível para se chegar a esse resultado.
O
Brasil quer mostrar sua própria cara.
Obrigada pela
bela e carinhosa provocação, Jamil.
Margareth Menezes
Ministra da Cultura do
Brasil
FONTE: UOL,14/09/2023
0 comentários:
Postar um comentário