Na partida de minha inesquecível professora e orientadora Mirian Jorge Warde
Conheci a professora Mirian Jorge
Warde há 30 anos, mais concretamente, no dia 29/11/1993, na banca de defesa de
Doutorado em Educação de meu colega moçambicano Miguel Buendia Gomez na
Universidade de São Paulo (USP). O título de seu trabalho era “Educação
moçambicana - a história de um processo: 1962-1984”. Fiquei bastante
impressionado com a arguição extremamente elegante, eloquente e crítica que ela
fez ao meu colega. No final da defesa troquei breves palavras com ela.
Só nos voltamos a encontrar em 1995 quando a profa. Mirian participou na minha banca de Mestrado em Educação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O título de meu trabalho era “Formação de Professores Primários e Identidade Nacional em Moçambique”. Não poderei esquecer jamais os elogios que ela fez à minha pesquisa. Entre eles, cito:
“À guisa de parênteses” que Miguel Lopes apresenta nas primeiras
páginas deste estudo é uma das peças mais humanas que já li, uma reflexão de
quem pensa politicamente. Esse é um brado de uma honestidade contundente.
Literalmente, emocionou-me. Primeiro, começa com uma frase belíssima,
preciosíssima: “Herdeira do cristianismo que inventou o exame de consciência, a
modernidade inventou a crítica”. O autor tem, fundamentalmente, no horizonte, a
utopia, mas não no sentido de uma relação fantasiosa sobre o real. Ele faz sua
análise do ponto de vista mais avançado, que é o de admitir que o lugar
conceitual já não esteja mais em um único lugar”.
Em 1996 ingressei
no Doutorado em História e Filosofia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP) tendo a profa. Mirian Warde como orientadora. Suas aulas e sua orientação foram
uma etapa relevante na minha formação acadêmica. O processo culminou com a
minha defesa de Tese no início de 2000, com o título “Cultura acústica e
letramento em Moçambique: em busca de fundamentos antropológicos para uma
educação intercultural”. A banca elogiou minha
pesquisa e sugeriu, enfaticamente, que ela precisaria ser publicada. Isso veio
a ocorrer em 2004, numa publicação da editora EDUC (672 págs.). O livro se esgotou e teve nova
edição em 2022.
Minha atividade profissional que se seguiu ao
término do Doutorado, levou-me a trabalhar em várias Universidades, com
destaque para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade do
Estado de Minas Gerais (UEMG). Acredito que minha atividade no campo educacional no
Brasil foi fortemente embasada nos ensinamentos que pude colher da
profa. Mirian Warde. Tornamo-nos amigos ao longo de mais de duas décadas.
Trocávamos e-mails regularmente. O que guardo na memória? Foram fortíssimas as primeiras impressões
que tive da profa. Mirian, marcas indeléveis que o tempo não
apagou. Em primeiro lugar, chamou-me a atenção seu caráter afável, sua enorme
simplicidade, sua capacidade para tratar de temas complexos numa linguagem de
grande clareza e sem perda do rigor próprio da ciência.
Como não lembrar aquela que fez da vida uma crônica da vontade
humana, uma busca vital do sentido da essência, o convite da intelectual à
prática do rigor? A profa. Mirian
era um todo
indissociável. Nela, e sem nunca se ofuscarem umas às outras, encontravam-se
reunidas a mulher, a crítica, a filósofa, a pedagoga e a política.
Personalidade encantadora, única por ser tão raro ver na mesma pessoa um ser
humano profundo e ao mesmo tempo suave, esteta da vida e da língua.
Nesta penosa despedida e simultaneamente luminosa lembrança, o
universo converge para esta mulher num instante raro: se seus parentes e amigos
estão agora sofrendo a sua perda, quero enfatizar que a sua família é agora o
mundo. A perda é partilhada, mas nossas lágrimas são unas, porque a profa.
Mirian colocou o ser humano no coração do mundo
e o mundo no coração do ser humano.
José de Sousa Miguel Lopes
Belo Horizonte, 23/09/2023
Nota de pesar da ANPED pelo falecimento de Mirian Jorge Warde
É com imensa tristeza que a ANPEd emite esta nota de pesar pelo
falecimento da Profa. Dra. Mirian Jorge Warde, anunciada nesta sexta-feira, 22
de setembro de 2023. Ela atuava como docente da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, do Programa
de Pós-Graduação em Educação.
Sua importância está destacada e registrada em uma trajetória
voltada ao campo da educação, particularizada nos estudos e debates acerca da
História da Educação. Acresce-se a esta trajetória, sua militância e
envolvimento com a produção e circulação do conhecimento, seja na condição de
Pesquisadora Sênior e Consultora do CNPq, perpassando sua integração em corpos
editoriais de periódicos nacionais e internacionais, até sua participação
destacável em sociedades e associações.
Especialmente na ANPEd, além de integrar o GT 02, esteve na
Coordenação do Fórum de Coordenadores de Pós-graduação em Educação (Forpred) no
biênio 1993-1995, quando desencadeou as discussões sobre o Sistema de Avaliação
da Pós-Graduação brasileiro.
Assista à sua fala em que conta fatos que ocorreram ao longo de sua vida e que a influenciaram a seguir a carreira de educadora. Reflete igualmente sobre sua trajetória pessoal, institucional e disciplinar. Para assistir à sua fala clique aqui
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