Lula não tem força para enfrentar questões militares agora, diz historiador Carlos Fico
Acertado o passado, falta o futuro
É benfazejo o acerto de contas com o pesado legado do nosso passado, mas resta apresentar os rumos novos para o desenvolvimento do país. Para ler o texto de Luiz Werneck Vianna clique aqui
Caros pentacampeões,
Certa vez, num discurso de
despedida de um burocrata de plantão aqui na ONU, o embaixador do Vietnã pediu
a palavra para fazer uma homenagem à pessoa que estava deixando o cargo. Entre
anedotas e agradecimentos, ele lembrou de um provérbio vietnamita:
Quando você for comer
uma fruta, nunca se esqueça de quem a plantou".
Pelé morreu e, em sua
despedida, nenhum de vocês conseguiu chegar até Santos. Alguns trouxeram
argumentos logísticos. Outros, apenas o silêncio.
Fizeram falta. Os ritos de passagem dão
significado, inclusive para o incompreensível. Eles conservam o sentido
coletivo daquela vida. Ritos, em si, não geram a coesão de uma sociedade. Mas o
sentimento produzido naquele ato pode ajudar a desenhar a silhueta daquele
povo. O luto não é sobre a morte. Mas sobre a vida.
Não escrevo essa carta a
vocês para cobrar nenhuma postura moral e muito menos uma explicação. Quem sou
eu para julgar a forma pela qual vocês decidem viver, quais os destinos das
viagens de seus jatos particulares ou se devem ou não cobrar cachê por cada vez
que são fotografados em um batizado, casamento ou churrasco.
Essa carta é apenas uma
reflexão sobre uma poderosa palavra: gratidão, um conceito que estou convencido
de que pode ter um papel transformador num país que precisa se encontrar.
Eu tenho certeza que vocês
sabem que Pelé foi quem abriu as portas para suas carreiras brilhantes. Não
estou aqui desmerecendo o esforço e o suor de cada um de vocês. Alguns saíram
de condições precárias e venceram, desafiando o destino que parecia que queria
se impor sobre suas famílias.
Ainda assim, não há
como ignorar que, em cada chute de vocês, cada drible e cada vez que usavam a
camisa amarela, Pelé estava presente. Seja na expectativa que o mundo tinha sobre vocês,
moldada a partir das cenas que o eterno camisa 10 nos deixou. Seja na esperança
de empresários de que cada um de vocês pudesse ser o novo Pelé.
Mas onde estavam vocês?
Vejo a ausência de tantos
jogadores e de tantos outros que se beneficiaram das conquistas do Rei do
Futebol em seu funeral como um sintoma de um mal-estar de uma sociedade que tem
sérias dificuldades para se reconhecer como um coletivo, de reconhecer o
passado como parte de nosso presente.
Na encruzilhada em que
vivemos, acredito que é fundamental recuperar esse significado e rejeitar a
disseminação de lemas como "não sou coveiro". Vocês tiveram uma linda
ocasião para mostrar ao mundo e aos nossos filhos que nós, sim, somos mais que
o nosso presente e a nossa individualidade.
Vejo, aqui em casa, como
meu filho promove uma verdadeira cerimônia em casa para pendurar no local mais
nobre de seu quarto - que é o resumo de seu mundo - um quadro com o autógrafo
de vocês. Nesse autógrafo, portanto, não vem apenas a imagem do gol. Confesso
que tive vontade de convencê-lo a retirar da parede aqueles quadros. Mas decidi
que ele tem direito a sonhar. E sei que ele logo irá torcer com consciência.
Neste momento crítico na
história de nosso país, não estou pedindo para erguermos e construirmos heróis.
Miserável país aquele que precisa de heróis, já diria o dramaturgo. Mas
precisamos dar significado à nossa existência.
E, para isso, precisamos
reconhecer aqueles que fazem parte da definição de quem somos, o que
representamos como valores e de que modo queremos desenhar o futuro onde nossos
filhos crescerão.
Somos, como disse Max
Weber, um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu. Mas se
não tecermos, quem somos?
Precisamos resgatar o ato
do agradecimento e da homenagem, desmontado por quatro anos de profanação da
alma. Precisamos agradecer a Pelé e seus gols, a João Gilberto e Aldir Blanc e
seus acordes, a Marielle e sua coragem, a Isabel Salgado e sua indignação, a Gal
Costa e sua insurreição.
Na reconstrução do Brasil,
os tijolos que precisamos usar terão de ser feitos de afeto, agradecimento e
humildade. Caso contrário, estaremos cultivando apenas mitos com pés de barro.
Topam nos ajudar nessa
obra?
Viva
Pelé!
Jamil Chade
Fonte: UOL, 07/01/1023
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