sábado, 7 de janeiro de 2023

Lula não tem força para enfrentar questões militares agora, diz historiador Carlos Fico

 





O historiador Carlos Fico, estudioso da Ditadura Militar (1964-1985), considera que é "compreensível" a opção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de adotar uma postura conciliadora com as Forças Armadas no início do seu governo. Para ler sua entrevista clique aqui




 Acertado o passado, falta o futuro



É benfazejo o acerto de contas com o pesado legado do nosso passado, mas resta apresentar os rumos novos para o desenvolvimento do país. Para ler o texto de Luiz Werneck Vianna clique aqui







Carta aos pentacampeões: Pelé estava presente cada vez que vocês vestiram a Amarelinha 




Caros pentacampeões,


Certa vez, num discurso de despedida de um burocrata de plantão aqui na ONU, o embaixador do Vietnã pediu a palavra para fazer uma homenagem à pessoa que estava deixando o cargo. Entre anedotas e agradecimentos, ele lembrou de um provérbio vietnamita:


Quando você for comer uma fruta, nunca se esqueça de quem a plantou".


Pelé morreu e, em sua despedida, nenhum de vocês conseguiu chegar até Santos. Alguns trouxeram argumentos logísticos. Outros, apenas o silêncio.


Fizeram falta. Os ritos de passagem dão significado, inclusive para o incompreensível. Eles conservam o sentido coletivo daquela vida. Ritos, em si, não geram a coesão de uma sociedade. Mas o sentimento produzido naquele ato pode ajudar a desenhar a silhueta daquele povo. O luto não é sobre a morte. Mas sobre a vida.


Não escrevo essa carta a vocês para cobrar nenhuma postura moral e muito menos uma explicação. Quem sou eu para julgar a forma pela qual vocês decidem viver, quais os destinos das viagens de seus jatos particulares ou se devem ou não cobrar cachê por cada vez que são fotografados em um batizado, casamento ou churrasco.


Essa carta é apenas uma reflexão sobre uma poderosa palavra: gratidão, um conceito que estou convencido de que pode ter um papel transformador num país que precisa se encontrar.


Eu tenho certeza que vocês sabem que Pelé foi quem abriu as portas para suas carreiras brilhantes. Não estou aqui desmerecendo o esforço e o suor de cada um de vocês. Alguns saíram de condições precárias e venceram, desafiando o destino que parecia que queria se impor sobre suas famílias.


Ainda assim, não há como ignorar que, em cada chute de vocês, cada drible e cada vez que usavam a camisa amarela, Pelé estava presente. Seja na expectativa que o mundo tinha sobre vocês, moldada a partir das cenas que o eterno camisa 10 nos deixou. Seja na esperança de empresários de que cada um de vocês pudesse ser o novo Pelé.


Mas onde estavam vocês?


Vejo a ausência de tantos jogadores e de tantos outros que se beneficiaram das conquistas do Rei do Futebol em seu funeral como um sintoma de um mal-estar de uma sociedade que tem sérias dificuldades para se reconhecer como um coletivo, de reconhecer o passado como parte de nosso presente.


Na encruzilhada em que vivemos, acredito que é fundamental recuperar esse significado e rejeitar a disseminação de lemas como "não sou coveiro". Vocês tiveram uma linda ocasião para mostrar ao mundo e aos nossos filhos que nós, sim, somos mais que o nosso presente e a nossa individualidade.


Vejo, aqui em casa, como meu filho promove uma verdadeira cerimônia em casa para pendurar no local mais nobre de seu quarto - que é o resumo de seu mundo - um quadro com o autógrafo de vocês. Nesse autógrafo, portanto, não vem apenas a imagem do gol. Confesso que tive vontade de convencê-lo a retirar da parede aqueles quadros. Mas decidi que ele tem direito a sonhar. E sei que ele logo irá torcer com consciência.


Neste momento crítico na história de nosso país, não estou pedindo para erguermos e construirmos heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis, já diria o dramaturgo. Mas precisamos dar significado à nossa existência.


E, para isso, precisamos reconhecer aqueles que fazem parte da definição de quem somos, o que representamos como valores e de que modo queremos desenhar o futuro onde nossos filhos crescerão.


Somos, como disse Max Weber, um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu. Mas se não tecermos, quem somos?


Precisamos resgatar o ato do agradecimento e da homenagem, desmontado por quatro anos de profanação da alma. Precisamos agradecer a Pelé e seus gols, a João Gilberto e Aldir Blanc e seus acordes, a Marielle e sua coragem, a Isabel Salgado e sua indignação, a Gal Costa e sua insurreição.


Na reconstrução do Brasil, os tijolos que precisamos usar terão de ser feitos de afeto, agradecimento e humildade. Caso contrário, estaremos cultivando apenas mitos com pés de barro.


Topam nos ajudar nessa obra?


Viva Pelé!


 

Jamil Chade


 

Fonte: UOL, 07/01/1023


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