A propósito do Nobel da Literatura - Convidar as pessoas a deixarem de fingir que nasceram com os valores universais humanistas na barriga
Coisas que incomodam. A transformação do escritor num etnógrafo
da sua cultura. Não é que isso não se faça. Mas isso limita a relevância da sua
obra ao seu povo. Isto é, Gurnah não recupera a experiência humana, mas sim a
experiência local. Não estou a ser mesquinho. A documentação da experiência
colonial e do refúgio só é digna de celebração se ela nos disser algo maior
sobre a nossa humanidade comum. Já, agora, o que estes relatos dizem aos
membros do comité Nobel sobre os valores da cultura europeia que estiveram por
detrás da humilhação do povo tanzaniano? A segunda coisa é esta “inocência
branca” – estou a usar um conceito da antropóloga holandesa, Gloria Wekker. O
pessoal lá do Comité não sabe o que foi o colonialismo? Não leu o que os
historiadores escreveram? Precisava de ouvir isso dum escritor, ou há algo que
o escritor está a trazer que transcende o quadro da historiografia e nos
convida para outros tipos de reflexão? Porque são importantes os relatos dos
horrores do colonialismo? Por serem documentos duma época, ou por nos
convidarem a rever os nossos próprios valores? Os europeus estão a fazer isso?
É nestes momentos que penso na profundidade duma afirmação de Toni Morrisson
quando ela se indagava como um europeu deve se sentir sabendo tudo o que foi
feito em nome da sua cultura? Não é possível atribuir um prémio destes a um
africano sem responder a essa pergunta. Para ler o texto do moçambicano Elísio Macamo clique aqui
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