quarta-feira, 30 de agosto de 2023

"Alfa" - Agnès Agboton

 



Alfa

 




Esta noite, marido,



 

esta noite que persiste contudo em não me cerrar as pálpebras.


Esta noite na qual o teu corpo já se perdeu


enquanto, tranquilo, agasalhado na savana,


espera, porventura com terror,


o sinal que te há-de lançar à vida,


amanhã.



 

Esta noite que os cães povoam de latidos


e cruzam, de quando em quando,


os rumores trepidantes dos automóveis;


esta noite o meu amor por ti


despiu-se das belas roupas,


perdeu exaltações e prazeres,


não encontra grandes palavras, talvez inúteis,


talvez falsas.



 

Esta noite sinto-te como algo opaco,


meu até ao delírio,


como algo imprescindível e doloroso.


Doloroso no desespero que te sobe aos olhos,


que te enruga os lábios, tantas vezes;


doloroso como os teus punhos cerrados,


voltados para mim,


exigindo algo que eu não te posso dar.


Doloroso como as tuas ilusões


frustradas,


como os caminhos barrados


que nos tentam


como o acreditarmo-nos inúteis


daquela tarde quando o medo e a desesperança


nos mordiam.



 

Esta noite, amor, sinto-me imprescindível


pela contínua exigência das tuas mãos.



 

Agnès Agboton



(Benim, 1960 - )


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