quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

"A tua nudez inquieta-me" - Fernando Assis Pacheco

 




A tua nudez inquieta-me



 

 

 

 

 Há dias em que a tua nudez


é como um barco subitamente entrado pela barra.


Como um temporal. Ou como


certas palavras ainda não inventadas,


certas posições na guitarra


que o tocador não conhecia.



 

A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo


para um lado misterioso e frágil.


Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe


contorno, peso. Destrói o meu corpo.


A tua nudez é uma violência


suave, um campo batido pela brisa


no mês de Janeiro quando sobem as flores


pelo ventre da terra fecundada.



 

Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas


com o vocabulário da tua nudez.


Tenho «um pensamento despido»;


maturação; altas combustões.


De mão dada contigo entro por mim dentro


como em outros tempos na piscina


os leprosos cheios de esperança.


E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete


que lanço com mão tremente desastrada


para rebentar e encher a minha carne


de transparência.



 

Sete dias ao longo da semana,


trinta dias enquanto dura um mês


eu ando corajoso e sem disfarce,


iluminado, certo, harmonioso.


E outras vezes sucede que estou: inquieto.


Frágil.


Violentado.



 

Para que eu me construa de novo


a tua nudez bascula-me os alicerces.



 


 

 

 

Fernando Assis Pacheco

 

 

 



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