"Falemos de paisagem" - Carlos Loures
Falemos de paisagem
Como queres, amigo, que haja flores
nos meus versos,
como queres grinaldas e primavera no
meu poema?
Em meu redor há homens humilhados,
crianças
descalças e com fome, mulheres
grávidas
trabalhando a terra. Como queres,
amigo,
que eu veja esse tal céu azul de que
tu falas,
esse sol eterno, que cante a beleza
da paisagem,
se o sofrimento humano altera a cor
das coisas?
É cinzenta a paisagem, é cor de cinza
o céu,
por isso os meus poemas são cinzentos
e sem beleza
(acaso tem beleza a fome?).
Sim, eu sei, poesia não é bem
economia política
e humildemente sei que após os meus
versos
tudo continuará cinzento – o dealbar
não será erigido pelos meus poemas
nem por quaisquer outros – mas sei
também
que a poesia deve ser a verdade do
poeta,
a sua maneira de explicar o mundo
e de o tentar transformar. Por isso
digo
– um de nós está enganado e creio bem
que és tu,
pois me pedes uma poesia que não pode
nascer
de um homem que queira ser fiel ao
seu povo.
Quando o céu for azul, prometo-te,
amigo,
os meus versos o dirão e o meu poema
será lírio,
deixará esta cor de lama e de sangue.
Quando o céu for azul, amigo meu
– antes, não!
Carlos Loures
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