"Natureza morta" - Carlos Loures
Natureza morta
Olhando a natureza morta,
frias laranjas dormindo
numa fruteira inerme,
silenciosa,
que o azul cerúleo recorta
na quadrícula branca
da janela,
recuso a natureza
assim estagnada,
sem dentes, sem fome, sem desejo,
sem nada que triture as laranjas,
sem dedos que as esmaguem,
nem crianças que partam
a puta da fruteira,
sem sequer um grito de revolta
que trespasse a gélida fronteira
entre a morte e o silêncio
emoldurados
e a vida que se agita,
grita, ruge e dói
deste lado de cá
da maldita moldura.
Recuso a natureza
pálida, parada,
sem aves, vento ou som
que sulquem o azul do céu
desta natureza, assim
tão contra natura
como a que assassinada
a tiros de pincel,
jaz fria, morta e enterrada
na tela e nas cores
desta pintura.
Carlos Loures
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