sábado, 8 de setembro de 2018

"Água iluminada. Umas vezes um lago..." - Casimiro de Brito

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Água iluminada. Umas vezes um lago
onde me debruço, e fico a vê-lo cintilar
dentro de ti — outras vezes
lava derramada na pedra
em desejo convertida. Toco-te,
abre-se a vida. Água por onde caminho
e me perco: e perdido encontro
o jardim, o paraíso.
Bocas que se abrem ao vento com seu barro
triste. É o caos, a floresta virgem
em cada onda do teu corpo ardente.
Água nua e cascata
a meu chão regressada.
Mãe das pedras e dos rios e do meu delírio
em ti concentrado. Água que flui
no outro lado: entro bebo ascendo
e fico mais sedento. Ouço-te
murmurar; ouço a fonte selada
transformar-se em canto
e no meu corpo rebentar
só de a tocar. Derrama-se a primeira gota,
navego nas estrelas. Uma vaga
e todo o meu corpo se converte
em praia sentimental. Fazes do teu corpo
um poço, e já me debruço na doce vertigem
de quem vai cair. Cumpres o teu destino
de ser mar: o meu é mergulhar.
Água onde me afogo e ardo e viajo
na morte mais impura — esta
de que regresso com a boca na tua água
cada vez mais escura. A garganta. A gruta
obsessiva. Água nos seios bocas axilas —
seios que me dizem que amar é encostar-me
às tuas folhas, fendas que se abrem e me engolem
sem vacilar, pernas que me aprisionam
e não quero outra prisão. Não sabemos
se há vida depois da morte, se há morte
depois de perder os sentidos.


Casimiro de Brito

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