Com maioria feminina no Parlamento, Ruanda ajuda mulheres a empreender
De um lado, turistas das mais diversas origens olham e experimentam vestidos, bolsas, colares e sapatos com estampas e design tipicamente africanos. Do outro, um grupo de seis mulheres costura à máquina ou à mão novas peças que logo também estarão etiquetadas e com preço.
Elas são apenas uma pequena parcela das artesãs da Nyamirambo Women's Center, uma das ONGs de mais sucesso quando o assunto é empoderamento feminino em Kigali, capital de Ruanda.
Criado em 2007 por 18 mulheres do bairro do qual tira seu nome, o projeto tinha como objetivo monetizar o que elas melhor sabiam fazer: artesanato. "Precisávamos de dinheiro para sustentar nossos filhos. Então nos juntamos para achar uma brecha no mundo dos negócios, dominado por homens", conta Mary Nyangoma, 40, uma das fundadoras da ONG.
O projeto só saiu do papel graças à Constituição de 2003, que determina a igualdade de gêneros na educação, na posse de terras e na economia. "Com as novas leis, podíamos obter crédito. Daí a coisa andou. Mas eu nem imaginava que estaríamos deste tamanho depois de dez anos", diz Nyangoma.
Hoje, a ONG emprega 55 artesãs, investe em formação com aulas gratuitas de costura, computação e inglês, comercializa três tours guiados pelo bairro e, no ano passado, inaugurou uma biblioteca para atender a comunidade.
Essa mesma Constituição inseriu as mulheres na vida política ao instituir que elas deveriam ocupar ao menos 30% dos cargos do governo.
Cinco anos depois, Ruanda (que tem pouco menos de 12 milhões de habitantes) chamou a atenção da mídia internacional ao se tornar a primeira nação a eleger um Parlamento com maioria feminina. Atualmente, 61,3% dos assentos são ocupados por mulheres, o que coloca o país na liderança do ranking mundial da representatividade feminina no Legislativo - para efeito de comparação, os Estados Unidos têm 19,4%, e o Brasil, 10,7%.
O sistema de cotas na política foi uma das mais significativas medidas adotadas pela Frente Patriótica Ruandesa (FPR), de Paul Kagame, que assumiu a Presidência em 2003 e segue no cargo.
Àquela época, o país vivia os traumas do genocídio de 1994, em que extremistas da etnia hutu mataram 800 mil tutsis e estupraram cerca de 500 mil mulheres ao longo de cem dias. Ao fim dos conflitos, 70% dos sobreviventes eram mulheres.
Foi nesse cenário que as 18 mulheres de Nyamirambo e muitas outras Ruanda afora tiveram de sair de casa e buscar sustento.
"Para reconstruir o país, o governo teve de fazer muita coisa no sentido de empoderar essas mulheres todas. E ainda faz. Além da presença no Parlamento, elas são encorajadas a assumir papéis de liderança nas comunidades. Os comitês regionais devem ter a mesma quantidade de homens e mulheres", diz Samuel Munderere, diretor-executivo da Fundação Ruanda, instituição que dá assistência a viúvas e vítimas de violência sexual no genocídio.
Desde então, os direitos das mulheres têm avançado rapidamente ali, indo na contramão de várias localidades do continente. Segundo uma pesquisa de 2016 do Fórum Econômico Mundial, Ruanda é o quinto país -e líder na África- que mais progrediu na busca pela igualdade de gêneros, considerando os setores de saúde, educação, política e economia.
Editoria de arte/Folhapress | ||
Ruanda incentiva participação de mulheres na política e nos negócios |
JOVENS INDEPENDENTES
Nesse quadro se insere o incentivo a uma nova geração de mulheres independentes. São jovens com poucas memórias do genocídio ou mesmo que só aprenderam sobre ele na escola.
"Quando pequena, via filmes em que executivas tinham seus próprios negócios e pensava: 'Vou trabalhar para mim mesma'", lembra Ysolde Shimwe, 25, dona da marca de sapatos Uzuri.
Formada em design, ela e a colega Kevine Kagirimpundu criaram a empresa em 2013, apostando em um nicho quase inexistente no país.
"A indústria de calçados é muito nova aqui. Era bem difícil conseguir informações básicas, assim como encontrar mão de obra."
A dupla investiu em matéria-prima de qualidade, desenvolveu designs próprios e treinou um time de artesãos majoritariamente feminino. "Ao empregar uma mulher, sabemos que o salário vai para a escola do filho, para o plano de saúde e para a comida." Em menos de cinco anos, a marca instalou duas lojas na capital e multiplicou seu lucro médio em dez vezes.
Empreender no universo fashion foi também a escolha de Linda Mukangaga, 26.
Em 2011, ela fundou em Kigali a Haute Baso, marca de roupas e acessórios que funciona a partir da parceria com 76 artesãos locais. "A ideia é criar produtos que reflitam o nosso país numa modelagem moderna, vibrante."
A empresa, que tem uma loja física e participa de feiras de moda em vários países africanos, emprega apenas mulheres em cargos fixos. "É a alternativa que temos para criar um ciclo de empoderamento. A gente ensina outras jovens a lidar com o primeiro salário, a investir em sua própria educação e coisas da vida em geral", diz Mukangaga.
Há ainda jovens empreendedoras oferecendo soluções para gargalos históricos da infraestrutura do país, como o acesso à água potável.
"A Water Access Rwanda nasceu depois que visitei uma vila próxima de Kigali e vi um casal gravemente doente por ter ingerido água contaminada", conta a engenheira mecânica Christelle Kwizera, 23. Criada em 2015, sua start-up já perfurou poços e instalou filtros d'água, além de oferecer treinamento gratuito sobre higiene em comunidades carentes.
Kwizera e Mukangaga integram o grupo de jovens que ajudou a divulgar a Speak Out!, campanha pelo fim da violência contra as mulheres.
Apesar do avanço para promover a igualdade de gêneros, a violência doméstica ainda é um dos grandes problemas do país. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, uma em cada três ruandesas já sofreu violência por parte de seus parentes homens, sobretudo maridos e pais.
Fonte: Aqui
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