Criacionismo - Modus operandi
O objetivo da
ciência é moldar as nossas crenças à realidade. Não é um processo infalível nem
acabado, mas tende a melhorar gradualmente a sintonia entre aquilo que julgamos
ser e aquilo que realmente é. Para esse fim, não se pode, por exemplo, abordar
a geologia a partir da crença de que a Terra é plana ou a astronomia a partir
da crença de que a Lua é feita de queijo. Seja qual for a crença ou problema,
não é científico comprometer-se à partida com uma crença, de forma firme e
persistente, porque o que se quer com a ciência é explorar as possibilidades e
procurar as crenças que melhor correspondam aos dados que se vão acumulando.
Para isso exige-se uma atitude cética no sentido de adotar ou rejeitar crenças
sempre conforme o peso das evidências e nunca por vontade pessoal. O que é
exatamente o contrário da crença religiosa, carente de fé e apregoada como
resultando do exercício da vontade livre do crente.
Esta
diferença é evidente em várias posições criacionistas. A idade do universo
estimada atualmente está muito além do que um cientista criacionista típico
aceitaria. Em resposta, muitas cosmologias criacionistas de universo jovem têm
sido propostas para discutir a questão da idade. É consensual na cosmologia que
o universo tem quase catorze mil milhões de anos. Este valor já foi revisto
várias vezes, porque valores anteriores revelaram-se incompatíveis com a
informação que se ia obtendo, mas a ciência progride precisamente por encontrar
alternativas que se ajustam melhor aos dados. O “cientista” criacionista faz o
contrário. Primeiro decide em que hipóteses acredita “a partir da crença de
que o universo foi criado por Deus” e depois limita-se a escolher as
evidências que forem mais favoráveis a essas crenças.
Noutro
exemplo das posições criacionistas, a “criação biológica é basicamente o
estudo dos sistemas biológicos, sob a suposição de que Deus criou vida na
Terra. A disciplina é estabelecida sob a ideia de que Deus criou um número
finito de espécies”. Quando se usa a ciência para estudar algo não se pode
estabelecer disciplinas “sob ideias” pré-concebidas nem fixar qualquer
suposição. Afinal, o objetivo é perceber o que se passa e não cultivar
preconceitos. Por isso, o tal “criacionismo científico” não é ciência, mas
apenas uma de muitas trapaças que abusam da ciência para fazer parecer que a
sua doutrina tem fundamento.
Se
bem que muitos crentes concordem com este juízo acerca do criacionismo, porque
rejeitam a interpretação literal dos escritos religiosos, normalmente
recusam-se a reconhecer que este conflito entre religião e ciência não depende
dessa interpretação literal nem é evitável enquanto a religião professar a fé
em alegações acerca da realidade. Quer leiam a Bíblia à letra, quer a leiam
como metáfora, a fé firme na “crença de que o universo foi criado por Deus” torna-os
todos criacionistas e põe-nos todos em contradição com a ciência. Nem é só
pelos indícios, cada vez mais fortes, de que o universo não foi criado com
inteligência nem há ninguém encarregue disto tudo que se preocupe minimamente
com o que nos acontece ou com o que fazemos. É, principalmente, porque a
ciência exige que se tratem todas as crenças como equivalentes à partida e se
faça distinção entre elas apenas pelo que objetivamente revelam corresponder à
realidade. Isto é incompatível com qualquer fé, dogmatismo ou crença
pré-concebida da qual não se queira abdicar.
Como vimos, estas são algumas tentativas, entre muitas outras, de dar ao criacionismo a aparência de ser científico. Para
aprofundar um pouco mais a problemática do criacionismo veja a forma
didática como ele é apresentado, clicando no vídeo aqui
Leia o texto “Por que é quase certo que deus não
existe” de Richard Dawkins clicando aqui
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