sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Lançamento do livro: "A ética tecendo a cultura e o conhecimento" de Alexsandra Moreira de Castro





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Prefácio


Senti-me muito honrado em prefaciar o livro da Alexsandra que conheci na Universidade como aluna muito empenhada, participativa, questionadora, procurando sempre ter uma atitude de buscar o aprendizado como fonte inesgotável para processo de reflexão sobre o mundo, sobre a vida.


Sua trajetória acadêmica levou-a a transitar por vários campos do saber como a Pedagogia e o Direito, mais especificamente, o Direito ao Trabalho. Mas sua trajetória social é ainda mais diversificada e significativa, revelando sua forma de olhar o mundo, de olhar o outro, o diferente, quantas vezes aquele que se encontra silenciado na sociedade, e por conta disso, vivendo em condições sociais precárias. Ela dirige suas energias para os despossuídos da vida edificando, no interior de seu ser, comportamentos de solidariedade. Durante mais de vinte anos a Alexsandra teve uma atuação pedagógica fora do âmbito escolar tradicional, prestando serviços voluntários semanais (acompanhamento escolar/pedagógico de crianças carentes; elaboração e condução de vários eventos de estudos/dinâmicas para jovens e adultos; trabalhos relacionados à criação de cursos (de liderança, de aprimoramento de expositores, de capacitação de trabalhadores, etc.); criação de mesas-redondas/seminários/encontros com objetivo de discussão em torno de temáticas voltadas para a vida em sociedade).


Fica claro que a Pedagogia e o Direito, a teoria e a prática sempre se entrelaçaram em sua vida, embora esse entrelaçamento fosse permeado por lacunas, dúvidas, questionamentos sobre os mecanismos que possibilitassem um efetivo e coerente modo de estar no mundo.


Então, não é surpreendente que ao retornar à academia a Alexsandra transportasse consigo o que tinha incorporado na sua trajetória como ser humano, com seus dilemas próprios e alheios, que envolvem os valores que regem a vida em sociedade e na qual a ética foi uma componente relevante de seu viver. Suas indagações iniciais estavam ligadas à questão do tipo de diálogo que se tem efetivado de forma cabal, ou não, entre a educação e a ética, mais concretamente, ao modo como se configurava esse diálogo nos Cursos de Pedagogia. Assim, a componente ética passa a ser cada vez mais aprofundada com seu estudo e pesquisa realizada no Mestrado em Educação na UEMG. E se torna mais desafiadora, pois suas reflexões ocorrem em tempos pandêmicos.


No seu estudo a Alexsandra entra em contato com autores de vários campos do saber como Bauman, Terezinha Rios, Durkheim, Bourdieu, Piaget, Vygotsky, Freud, Paulo Freire, Foucault que lhe permitem delinear com mais clareza seu objeto de pesquisa que consistiu em descrever e analisar as contribuições da Ética na formação do/a Pedagogo/a. Para o efeito, a Alexsandra se propôs analisar qual é o objetivo da matéria quando ela se faz presente na Disciplina Ética na matriz curricular dos Cursos de Pedagogia. Isso implicou que tivesse de lançar mão da investigação das ementas/planos de ensino, bem como do Projeto Pedagógico das Instituições de Ensino Superior (IES), quando ausente a Disciplina Ética. Propôs-se também verificar como os valores éticos, que devem orientar os saberes e as práticas do/a Pedagogo/a em formação, estão presentes na matriz curricular do Curso. Em decorrência, investigou se os/as Pedagogos/as em formação julgavam importante a presença da disciplina Ética, autônoma, na formação acadêmica, considerando o seu papel como protagonista no multiverso cultural.


A Alexsandra fez uma minuciosa revisão da literatura, consultando o banco de dados de numerosas instituições. Trabalhou alguns temas correlatos com a Ética como é o caso dos Direitos Humanos, gênero, raça, a formação docente, sobretudo em tempos de pandemia, a presença da disciplina Ética nas instituições de ensino superior, a pesquisa com os alunos e as alunas da FaE/UEMG. Com elevada criatividade recorreu à literatura colocando-a em diálogo com a Educação e com a Ética. Para isso, ela busca no escritor Monteiro Lobato e na sua obra “O sítio do pica-pau amarelo” um exemplo prático de trabalho com os princípios éticos.


A Ética é um conceito muito desafiador e vários campos do saber se têm debruçado sobre ela e os seus sentidos.


Quando se fala em Ética, é necessário imaginar-se com múltiplos papéis: ser humano, profissional e cidadão do mundo. O que fazemos não afeta uma rua, mas o planeta. Temos de pensar nos nossos direitos, mas também nas responsabilidades. O mais difícil com relação à Ética é fazer a coisa certa mesmo quando essa atitude não atende aos nossos interesses. Pessoas que têm atitudes éticas merecem respeito. O problema é que muitas vezes respeitamos alguém só pelo dinheiro ou pela fama. O mundo certamente seria melhor se dirigíssemos nosso respeito às pessoas extremamente éticas.


A Ética também busca a identificação de comportamentos adequados, mas não na intimidade da consciência particular de cada um, e sim no coletivo, no debate, na discussão, na argumentação. Ética é a inteligência compartilhada a serviço da convivência. É resultado da intervenção da inteligência coletiva com vistas a limitar a conduta de cada um visando proteger o bem maior, que é a convivência sadia e harmônica entre todos.


A Ética é relativa à sociedade que se vive e se se fundamenta num ponto de vista universal (o que não significa que um juízo ético particular deva ser universalmente aplicável).


Portanto, a Ética é um produto da vida social que tem a função de promover valores comuns aos membros da sociedade e exige que extrapolemos o “eu” e o “você” e cheguemos a propósitos universais.


Por esta razão é que a Ética busca a identificação de comportamentos adequados, mas não na intimidade da consciência particular de cada um, e sim no coletivo, no debate, na discussão, na argumentação.


Podemos facilmente observar o fracasso de uma ética exclusivamente baseada na razão, no fato de não ser capaz de permear as grandes escolhas das políticas mundiais, nem mesmo de informar a ação individual.


De fato, não existe um bem absoluto, porque o bem sempre se refere a uma avaliação subjetiva profundamente arraigada na afetividade. Com o auxílio da razão, podemos identificar limites à conduta e eventualmente levá-los em conta, mas certamente é impossível promover uma moralidade ampliada, necessariamente baseada em uma prescrição proativa, contornando o envolvimento do indivíduo.


Os desastres ecológicos que estão na frente dos nossos olhos e que continuam a se perpetuar para além das proclamações, demonstram a incapacidade de ativar atitudes de dedicação moral, ou seja, de chamado à ação sobre o problema.


A negligência já é um fracasso ético. A extinção de muitas espécies, não só em lugares exóticos e distantes, mas também nos territórios que habitamos, demonstra o impacto que tem o descaso, a preguiça moral, aquela atitude que não é capaz de nos impelir a uma mudança de rota nos nossos comportamentos.


O ser humano não é uma entidade disjunta do rio da vida, porque reconhece em si mesmo predicados não exclusivos e que ele mesmo herdou de entidades que o precederam; consequentemente, compreende a própria dependência das redes ecológicas da biosfera.


As ciências já demonstraram que o comportamento humano é múltiplo e ambíguo, como é a condição humana. Uns se dedicam a ajudar e salvar o próximo, outros, egoisticamente, se protegem fazendo estoques de alimentos e remédios desnecessários, buscando “salvar sua pele” em detrimento dos que não tem tal condição.


As estratégias institucionais de empresas e organizações, também, por sua vez, são diferenciadas, pois enquanto uns se preocupam apenas com os prováveis prejuízos econômicos, outros, em minoria, realizam doações de recursos e equipamentos para prevenir e atender as demandas dos hospitais e rede pública de ensino.


Enfrentamos neste momento uma crise humanitária aguda, não apenas contra o coronavírus, mas, também, devido à falta de confiança entre os seres humanos.


Para agravar, políticos irresponsáveis minaram deliberadamente a confiança na ciência, nas autoridades públicas e na cooperação internacional e nacional.


A epidemia é, também, consequência do modelo de civilização, da forma de vida e da destruição da natureza que praticamos. Se persistirmos nesta lógica e nesta intensidade, estes fenômenos serão mais frequentes e devastadores do que aqueles que agora se apresentam. Enquanto espécie, com suposta capacidade de usarmos nossa inteligência coletiva em prol do bem comum, é urgente repensar uma nova forma de viver na Terra.


Alguns se negam a aprender com a experiência dos outros e desprezam a colaboração entre nações. Como consequência, estamos enfrentando esta crise desprovida de lideranças, de confiança no outro e de cooperação global.


Porém, usualmente repetimos que toda a crise é uma oportunidade de aprendermos algo. Crises ensinam aos que estão abertos a aprender.


Movimentos Sociais no começo do século XXI apregoavam que “Outro mundo é possível”, ao qual acrescentamos que outra “Ética global é necessária”, baseada na cooperação internacional e no compartilhamento de informações científicas confiáveis.


Para muitos de nós, este ideal civilizatório é utópico. E é. Mas todos precisamos de uma utopia, um novo ideal comum até porque a atual crise é planetária e atingirá a todos. Ninguém irá salvar-se individualmente. Para uma mudança ampla, esforços globais deverão ser planejados.


Porém, concomitantemente, devemos começar com ações individuais entre colegas, vizinhos, comunidades locais e regionais, compartilhando solidariedade, cooperação e práticas de altruísmo. Evitar o estoque de alimentos, remédios, álcool e máscaras em nossos lares já é uma ação humanitária. O mercado deve evitar a exploração com a elevação dos preços no cenário de crise e calamidade pública.


A solução é coletiva e nossa vida será preservada se unirmos esforços da esfera pública, da sociedade (incluindo empresas e comércio) e de cada um de nós. O filósofo Epicuro já alertava que entre os desejos humanos há os que são naturais e necessários; outros, que não são nem naturais nem necessários, pois se originam de uma vã opinião. A reflexão filosófica epicurista nos convida a repensar o que é efetivamente essencial e o que é desejo produzido por um modo de vida alicerçado na vontade egoísta.


Nascemos éticos porque a sensibilidade para o bem nos pertence. Mas essa intuição para o bem precisa depois ser traduzida em gestos possíveis, apesar das feridas, das decepções, das derrotas. E, às vezes, precisa ser renovada, deixando-nos surpreendidos até pelos pequenos episódios. A responsabilidade deve ser cultivada. Como uma pequena planta da qual é preciso tomar conta.


Neste quadro que papel cabe à educação?


A decisão é nossa. A educação é um caminho para aprendermos juntos, para fazermos escolhas de governos com legitimidade, liderança, sabedoria e comprometimento com outra ordem mundial onde o centro sejam as pessoas e não o mercado. Educação para a vida, educação ambiental e educação humanizadora devem anteceder a escolarização para o sucesso individual e profissional.


Um dos desafios que ela precisa enfrentar é o modo como ela pode contribuir para a formação moral e ética dos alunos-cidadãos. Por isso, é fundamental que seja construída e problematizada a participação do indivíduo na vida pública - o que reflete a consciência de realidades, conflitos, interesses individuais e sociais, o conhecimento de mecanismos de controle e defesa de direitos, a noção dos limites e das possibilidades de ações individuais e coletivas.


A educação é um espaço potente para oportunizar a formação de uma sociedade crítica, para que os alunos não apenas absorvam os conteúdos, mas que os modifiquem e coloquem em prática suas opiniões e valores, e que os mesmos contribuam para formar uma sociedade mais digna, justa e ética.


Sendo assim, trata-se de defender, uma educação escolar que efetivamente possa contribuir para ajudar os indivíduos a reconhecer o outro, respeitando suas diferenças. Em decorrência, é preciso que os professores tenham como preocupação básica a formação integral dos seus alunos com vistas ao desenvolvimento de suas autonomias. Portanto, é fundamental que todos os educadores questionem o sentido de suas ações em sua prática pedagógica, afinal a ética não se ensina de forma isolada como uma disciplina qualquer. Muito pelo contrário, ela avança em todos os componentes curriculares, mostrando-se nas atitudes de todos os indivíduos que a vivenciam.


Não quero terminar minhas reflexões sobre o livro da Alexsandra sem referir uma componente estética que acompanha seu texto. Trata-se da criativa inserção de desenhos/ilustrações no início de cada capítulo, algo pouco usual em trabalhos acadêmicos e que valorizou ainda mais seu trabalho.


No final do percurso a Alexsandra se interroga e, ao fim e ao cabo, interroga todos aqueles que tiverem a felicidade de ler seu livro, sobre o tipo de contribuição que seu trabalho traz para os Cursos de Pedagogia bem como o modo como o aluno e a aluna vivenciam a Ética na sala de aula e fora dela.


Este trabalho da Alexsandra constitui uma bela oportunidade, para se valorizar a ética, em todos os seus desdobramentos. Com muita perspicácia ela no diz que “não existe uma crise Ética, mas uma crise da Ética, vez que a Ética tem sido debatida sob muitos nomes: Ética do/a professor/a, Ética profissional, Ética do discurso, Ética da solicitude, Ética da afetividade, Ética da autenticidade, Ética da manipulação, Ética do comprometimento, Ética da alteridade, Ética utilitarista, Ética deontológica, Ética do bem comum, Ética dos interesses materiais, entre outras”.


Mais ainda, a autora nos oferece uma ocasião propícia para continuar dialogando com valores que dão sentido ao que é humano, preparando caminhos futuros para a superação das mazelas que as sociedades contemporâneas enfrentam.


O seu livro constitui, desse modo, uma verdadeira biografia intelectual, no seu sentido mais pleno. Alexsandra ao usar o devido rigor investigativo armado de um consciencioso aparelho conceitual, alcança um grande desafio: entender sua pesquisa em perfeita sintonia com o espírito do seu tempo, isto quer dizer, o sentido social do momento que estamos vivendo e que ela mesma foi capaz de captar e sintetizar, como uma intelectual que luta por uma causa justa. Escrever este texto significa nada mais nada menos que escrever algo prazeroso e estimulante.


Alexsandra lembra-nos que estamos inseridos numa realidade muito desafiadora. Ela mostra-nos, a cada página, o processo de confluência em direção a um amplo debate da educação e da ética, pensadas como caminho necessário para chegar ao verdadeiramente humano.


Cabe ao leitor usar as ferramentas, oferecidas por esse livro instigante, para explorar os caminhos percorridos e as possibilidades do devir dessa estratégia.


 

 

José de Sousa Miguel Lopes


(Doutor em História e Filosofia da Educação e professor no Mestrado em Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG)


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