terça-feira, 5 de janeiro de 2021

“Dicionário Pessoal” - Casimiro de Brito






“Dicionário Pessoal”




ABANDONO


Abandonaste-me mas não levaste o que, em mim, ficou de ti.



BAGAGEM


Nem o meu corpo levarei como bagagem.



CAMINHO


Do caminho nada sabes: nem o princípio nem o fim.



DÁDIVA


Esse que dá o que tem só começou a dar.



ELA


Ela canta, ela abre, ela ferve, ela fere, ela mata.



FALA


Só falo do que não conheço. Por isso falo de tudo.



GENIALIDADE


É perante as coisas mínimas que o génio se afirma.



HÁ POUCO


Ainda há pouco fui menino. Talvez ainda seja.



IDADE


Sim, o amor não conhece idade: ele é sempre novo e antigo.



JANELA


Tanta janela a começar pelos teus olhos.



LABIRINTO


Labirinto perfeito? O corpo da minha amada.



MÃE 


Acolho-me ao seio da mãe, e tudo são mães.



NADA 


Ando à procura do “nada” e só encontro novos caminhos.



OBSCURO


O obscuro ilumina-me. Basta aproximar-me um pouco.



PAIS


Meus pais não morreram pois os trago, para sempre, em mim.



QUEDA


Caio em ti como quem regressa a um charco antigo.



RAIZES 


Árabe da parte do pai, judeu do lado da mãe.



SABEDORIA


Ninguém sabe — a sabedoria está sempre um pouco adiante.



TAPEÇARIA


O tapete da tua pele! Nele voo.



UTOPIA


O regresso à amizade depois do amor.



VELHICE


Estou velho mas acabo de regar a buganvília.



XADRÊS


No xadrez do amor não há vencido nem vencedor.



ZÉ DO TELHADO


O meu primeiro herói: roubava aos ricos para dar aos pobres.





Casimiro de Brito


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