"Se me canso do jardim..." - Bartolomeu Campos de Queirós
Se me canso do jardim,
minha fantasia imagina um deserto. Com passos pesados caminho, lendo, sobre
areia. Tudo é árido, seco, sem barulho de folhas, sem movimento de vento. Sigo
sem trilhas, sem deixar rastro. Em qualquer instante, se desanimo, posso criar
um oceano e me afogar em suas águas. Minha memória tem espaço para infinitas
paisagens. Tudo que desconheço minha memória inventa.
Mas hoje acordei sem coceira
nos dedos. Despertei vazio de pensamentos. Um grande nada acordou comigo. Não
quero jardim, deserto ou mar. Há dias em que preguiça de pensar me persegue. A
memória exige trégua para descansar. O mundo inteiro parece vivido. A vida se
nega a novas notícias. O coração parece bater desafinado – sem corda – e pulsa
quase parando, sem força para fortes fôlegos. Ter memória é embriagar-se de
lucidez.
Bartolomeu Campos de
Queirós
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