"Lisboa Ainda" - Manuel Alegre (HOJE DIA MUNDIAL DA POESIA)
Lisboa Ainda
Lisboa não tem beijos nem abraços
não tem risos nem esplanadas
não tem passos
nem raparigas e rapazes de mãos dadas
tem praças cheias de ninguém
ainda tem sol mas não tem
nem gaivota de Amália nem canoa
sem restaurantes, sem bares, nem cinemas
ainda é fado ainda é poemas
fechada dentro de si mesma ainda é Lisboa
cidade aberta
ainda é Lisboa de Pessoa alegre e triste
e em cada rua deserta
ainda resiste
Manuel Alegre
(20 de março de 2020)
Manuel Alegre
Esta
publicação é, para o poeta, também um gesto de resistência. “É preciso levantar
o moral das pessoas, em circunstâncias destas”, diz Manuel Alegre ao PÚBLICO.
“Vejo aqui o jardim em frente à minha casa deserto, as imagens das ruas
desertas, as pessoas em casa mas a bater palmas aos médicos, aquelas
manifestações em Itália. As pessoas que em Lisboa estão em casa e de
quarentena, no fundo estão a sobreviver e também a resistir. E aqui tem um
papel a cultura, a arte, a música, a poesia, porque eu acho que isto levará a
mudanças muito grandes, não só na economia e sociais, mas no nosso modo de
vida.”
Para
Manuel Alegre, “é uma época que acaba e outra que vem aí”: “O nosso modo de
vida vai mudar. E em certas circunstâncias (eu já vivi isso no tempo da
ditadura, do fascismo), a poesia, como a música, tocam mais as pessoas, há mais
necessidade. Por isso saiu-me o poema, publiquei-o lá na minha página de
Facebook ligada à editora, e circula.”
Em
casa, como generalidade dos portugueses, Manuel Alegre diz que encara a
situação “com espírito de resistência e de resiliência”: “Um espírito que é o
meu, já me habituei a isso. Mas não esperava isto, nesta circunstância da minha
vida e depois de tudo o que vivi. Mas acho que é também uma lição da natureza,
um pouco contra a ideia de omnisciência desta sociedade que sabe tudo, que pode
tudo, do egoísmo, do narcisismo, do hedonismo, do culto do dinheiro pelo dinheiro,
do poder pelo poder. Afinal, um bichinho que só se vê ao microscópio põe uma
civilização de pernas para o ar. E isto é uma grande machadada neste orgulho e
nesta soberba de um modo de vida que afinal não é tão forte e consistente como
isso. É preciso ter humildade diante dos factos, como dizia um filósofo
espanhol.”
Fonte: aqui
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