Entre o senso comum e a ciência: existe 'cura gay'?
A patologização da homossexualidade é um expediente que se alimenta da homofobia e que a reproduz. É uma tentativa de legitimar preconceitos e discriminação, de um modo pseudocientífico.
Para ler o texto completo de Renan Quinalha e Roger Raupp Rios clique aqui
Leia "Cura gay: os "cristãos" contra Cristo" de Fran Alavina clique aqui
Leia "Somos todos doentes"
Milly Lacombe*
24/09/2017
Aqui estamos outra vez divididos. De um lado, a bancada
evangélica pregando a cura gay e
buscando, com êxito, apoio das instituições. Do outro, os que concordam com a
ciência e entendem que a homossexualidade não é diferente da
heterossexualidade.
"Para criaturas tão pequenas como somos essa vastidão é
suportável apenas através do amor", escreveu o astrônomo Carl Sagan há 30
anos.
E, em 2017, talvez já não devêssemos estar debatendo tipos de
relações amorosas porque é aceitável que adultos se relacionem de forma íntima
desde que os dois (ou os três, sabe-se lá) assim desejem.
Se alguma coisa faz com que eu me sinta bem e não causa mal a
nenhum outro ser ou à Terra, ela é correta. E superemos isso para, juntos, podermos
suportar a vastidão sobre a qual Sagan falou.
Até porque não há debate possível quando a arena passa a ser a
religiosa: é preciso apenas que se respeite a crença alheia. É aqui, portanto,
que a estrada termina: crenças não devem ser impostas, devem ser vividas.
Trata-se da diferença entre a moral e o moralismo: impor uma
crença ao modo de vida de outra pessoa é moralismo, e o moralismo sempre
carrega com ele um tanto de recalque, um tanto de inveja e pouquíssimo de
moral.
É como se gays e lésbicas saíssem por aí questionando o que causa
a heterossexualidade e buscando formas de corrigi-la porque, afinal, a
heterossexualidade não faz sentido para mim.
Permitir que a homossexualidade seja considerada doença é
desumanizante com milhões de pessoas porque rouba delas a dignidade, e não há
violência maior do que não reconhecer a humanidade de alguém. Mas é árdua a
batalha contra a estupidez -e vamos considerar estupidez qualquer ideologia que
se oponha a forças como o amor, a arte e a liberdade.
Existe, claro, uma doença relacionada à homossexualidade: chama-se
homofobia, e ela pode matar (em 2016 foram registradas quase 400 mortes
diretamente ligadas à homofobia).
"A homofobia é uma forma de odiar tudo o que não é
patriarcado", escreveu Rebecca Solnit em seu "A Mãe de Todas as
Perguntas"; assim como o racismo, a misoginia, o classismo -doenças graves
que há séculos contaminam muitos em nossa sociedade.
O que talvez devêssemos estar debatendo, em nome de um mundo
melhor, é a qualidade das relações, e não o tipo de relação que queremos impor
uns aos outros.
"Uma relação humana honrosa -uma na qual as pessoas tenham o
direito de usar a palavra amor- é um processo; delicado, violento, muitas vezes
torturante para os envolvidos, um processo de aprimoramento em relação às
coisas que um pode dizer ao outro", escreveu a poetisa lésbica Adrienne
Rich.
Mas para viver a experiência em sua totalidade precisamos de
tempo, e nesse corre maluco, agachados nas trincheiras que construímos para nos
isolar, entregues aos mais variados escapes -de drogas a tecnologias- deixamos
de nos ver, de nos aprofundar em conversas, de olhar uns nos olhos dos outros.
"Atenção é a forma mais rara e pura de generosidade",
disse Simone Weil. E uma sociedade incapaz de praticar generosidade é uma
sociedade profundamente adoentada.
*Milly Lacombe, 50, é autora do romance
"O Ano em Que Morri em Nova York" (Planeta), colunista das revistas
Trip e Tpm, e lésbica
FONTE: Aqui
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