"Amo-te" - Casimiro de Brito
Amo-te
23
Amo-te, dizemos muitas vezes. Em várias línguas. É que nós, os amantes, temos
pouca memória.
58
Amo-te. Amo amar-te. Ontem foste cascata, hoje és torrente, amanhã quem sabe?
Talvez um rio. Um rio paciente? Exaltado? Amo amar-te e nunca sei quantos somos
nesta cama: sinto a terra, vejo estrelas, ouço o mar.
80
Amo-te mas não posso amar-te, não posso amar um sorriso que já não há, ou só na
minha imaginação.
102
Amo-te, invado o teu corpo, pulso em ti mas nunca poderei possuir-te. Não sei
nada, não possuo coisa nenhuma. Entro no vazio intacto. E saio. E entro de
novo.
263
Amo-te e não sei fazer mais nada.
357
Amo-te como se tocasse um alaúde, um instrumento humilde e um pouco cansado —
e, no entanto, de cada som que arranco do teu corpo maduro, eleva-se uma gota
de luz que todo me lava. E resplandecemos. Assistimos à nossa queda como se de
facto estivéssemos a cair noutro mundo, a renascer noutro mundo e tudo em volta
é um canto grato e silencioso.
581
Amo-te. Quero dizer: faz de mim o teu banquete.
Casimiro
de Brito
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