"Afetos" - Luís Graça
Afetos
Fiquei a saber num destes
fins-de-tarde
que se podia estar subnutrido de
ternura
e afoguei-me no desânimo que me
acenava do horizonte
Caiu-me uma pérola húmida do olhar
pensei apenas em guardar em mim
a saudade das carícias tecidas em
silêncio
Não foi possível, acendeste-me o
desejo dos teus dedos
apetecia-me beijar-te como quem
afaga um charuto com os lábios
vendo subir aos céus o fumo do teu
cio
Fiquei a saber numa destas noites
de lua cheia
que se podia estar subnutrido de
ternura
caiu-me uma pérola húmida do olhar
Apesar dos lobisomens
não se poderem dar ao luxo de
cultivar mágoas
nas plantações do estio que passa
Apenas lhes é concedido o grato
subterfúgio
de uivar nas trevas como quem urde
um poema
às escondidas de Deus
Fiquei a saber numa destas manhãs
de trovoada
que o teu corpo era feito de raios
e coriscos
e que os teus pais não te deixavam
fazer amor sozinha
Por terem medo
dos teus gritos de prazer
na hora de te sentires mulher
Mesmo assim fazias amor sozinha
dispensando-me o teu corpo
em marés de luz
Fiquei a saber numa destas
madrugadas de fogo
que a ternura está guardada num
baú
disfarçado de cofre à prova de
sentimentos
Nessa mesma hora
senti o meu ser
a dissolver-se devagar
Ao longe, muito ao longe
lembro-me de ter sentido um
arrepio na alma
como se tivesses pintado o teu
sorriso no meu peito.
Luís Graça
0 comentários:
Postar um comentário