domingo, 25 de agosto de 2013

"Poesia" - Cristóvão Tezza

“De pequeno conheci a Poesia
uma balzaquiana elegante, sorridente, lúcida e vaga
com um anel no dedo.
Meu Deus, que coisa linda!
Secretamente lhe mandei bilhetes
pedi em casamento
marquei encontro.
Reticente, me afagou os cabelos, me deu um beijo na testa.
(Era na boca que eu queria
um beijo de língua, feroz!)
Joguei futebol, tirei nove em português, oito vez cinco quarenta.
Fiquei velho, mudei o mundo, instaurei o comunismo
enchi os cornos de pinga
entrei para o Banco do Brasil
E ela veio de novo, madrugadinha.
Que mãos pálidas, que transparência, que sutileza!
Falava francês, a desgraçada!
Sentamos num bar.
Verde que te quero verde
não serei o poeta de um mundo caduco
mas que seja infinito enquanto dure
Senhor Deus dos desgraçados
as armas e os barões assinalados
ah que saudades que eu tenho
ora direis, Paulicéia Desvairada, rua torta, rua morta
e ela ali, deusinha vagabunda e arrogante
vou-me embora pra Pasárgada
fui lhe metendo a mão nos peitos
erguendo a saia de seda
vou estuprar a Poesia
que alegria!
E eis que ela me foge, bateram as doze horas
fiquei com o papel em branco.
Mulher difícil, a Poesia.
Eu de calça Lee, ela musa grega
Vênus de Milo, romântica desvairada
solteirona neurótica cheia de pasta na cara.
Quem ama não esquece.
Vinha em sonhos, traiçoeira, brincava de 31
fazia-se maçã do éden, funcionária pública
manequim de propaganda.
Sou Jack o Estripador, lhe arranco a meia da coxa
enforco-a sobre o colchão
lhe encho a cara de porrada.
Num banco de praça vou lhe cantando sutil
sou um gênio da gramática
ataco de conjunção, propósito, verborreio, substantivo com arte
vou de régua e de quarteto
rimo paixão e turbilhão
(vem cá, minha gatinha...)
ergo os braços com ênfase
(me beija a boca, doçura)
soneteio, eclogueio, epopeio
ela me abraça quentinha
mas eis que passa um velho e lhe leva
maldito Carlos Drummond de Andrade!”
 
“— a poesia não é rima
Não é forma
Não é metro
Não é papel cuchê de primeira
Não é assunto
Não é necessariamente música
Não é estrofe
Não é um profundo mergulho na individualidade humana
Não é uma borboleta voando
A poesia não é nada.
Ou seja
Que porra é a poesia?
 
Conclusão [...]:
— como não há mais nenhum discípulo de Homero e a Grécia virou
uma bosta, como os clássicos da Renascença eram muito posudos,
como os barrocos faziam piruetas, como os árcades só cuidavam de
ovelhas, como os românticos morreram todos tuberculosos, como os
parnasianos eram a última raspa do tacho da boçalidade acadêmica,
como os simbolistas compensavam a falta de assunto com Iniciais
Maiúsculas, como os modernistas envelheceram, como os concretistas,
práxis, poetas—processo e suas cinco milhões de dissidências
cooptaram todos pelas agências de publicidade:
 
ESTAMOS LIVRES!
HIP! HIP! HURRA! “
 
TEZZA, Cristovão. Trapo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Rocco.

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