sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

"Seja a corda para a minha guitarra, ó água" - Mahmoud Darwish


 

Seja a corda para a minha guitarra, ó água

 




Seja a corda para a minha guitarra, ó água: os conquistadores chegaram,


os antigos partiram. É difícil lembrar o meu rosto


nos espelhos. Seja-me a memória para eu lembrar o que perdi...


Quem sou eu depois da coletiva partida? Tenho uma rocha


que carrega o meu nome sobre colinas que veem o que passou


e acabou. Setecentos anos me acompanham atrás dos muros da cidade...


Em vão o tempo gira para eu salvar o meu passado num instante


que faz nascer agora a história do meu exílio em mim... e nos outros...


Seja a corda para a minha guitarra, ó água, os conquistadores chegaram,


os antigos partiram para o sul, povos restaurando os seus dias


nos escolhos da transformação: sei quem fui ontem, mas o que serei


amanhã sob as bandeiras atlânticas de Colombo? Seja a corda


para a minha guitarra, ó água. Não há Egito no Egito, nem


Fez em Fez, e Damasco está distante. Não há nenhum sacre


na bandeira da minha gente. Não há rio ao leste do palmeiral cercado


com os cavalos rápidos dos mongóis. Em que Alandalus vou terminar? Aqui


ou lá? Saberei que morri e que deixei aqui


o que há de melhor em mim: o meu passado. Nada me sobrou além da minha

guitarra.


Seja a corda para a minha guitarra, ó água. Os conquistadores se foram,


os conquistadores chegaram...



 

Mahmoud Darwish


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