"Lá, onde as casualidades são datas" - Rajae Talbi
Lá, onde as casualidades são datas
1
Éramos dois feridos
e ciosos de uma noite
que tanto havíamos esperado
uma noite mais curta que uma delícia.
Os seus minutos debicam
o nosso cansaço
como uma ilusão de sossego
foi um sonho nosso
era a promessa de um clamor.
2
Éramos dois feridos
a escuridão para a luz
é um olvido
e dois lábios
que humedecem as brasas da advertência
com o sabor da terra.
3
No caminho que a ti me leva
em pé me detiveste
como uma palmeira
que não admite submissão.
4
Em direção ao céu
em direção aos meus abismos
levanto os meus ramos.
5
Éramos dois feridos
enquanto esta noite assombrava tanto
como um pecado
aberto ao céu
e mãos que não têm qualquer motivo
para saudar a lua.
6
Éramos dois feridos
Enquanto taças zumbiam
como desilusão de uma dúvida
num equívoco majestoso
este calor refrigerava os sentidos
e num desaconchego
os órgãos desamarram-se.
7
Do manancial do tempo bebemos
como crianças de uma alvorada recém-nascida
com lábios endurecidos
de tanto beijar
acariciamos as gargalhadas do vento.
8
Assim…
como o arco-íris
abandona a cintura do céu
abandonei
durante um dilúvio
os meus rios
eterna é a tua sede
Quanta chuva necessito
para batizar este amor!
9
Quantas vezes
pisámos a monotonia
dos nossos dias!
Com a agilidade de uma borboleta,
refugiámo-nos
nas sombras dos instantes
precedendo os nossos sonhos.
Rajae Talbi*
*Nasceu em Casablanca. Escritora, poeta e tradutora, é licenciada em Literatura Árabe pela Universidade Hassan II de Casablanca, tendo obtido o Diploma de Estudos Avançados no Departamento de Poesia Moderna da Universidade Mohamed V de Rabat. Trabalha como administradora na Direção do Livro, Bibliotecas e Arquivos, exercendo ainda a função de diretora do Departamento de Museus Nacionais e Regionais. Entre 2001 e 2007 foi diretora do Departamento de Apoio ao Livro. É membro da União de Escritores de Marrocos e de várias outras instituições. A sua obra foi já traduzida para turco, alemão, espanhol, e (agora) português. Figura em várias antologias. Publicou os seguintes livros: Sóis da identidade, 2000; Olho emigrante, 2004, e Frio ligeiro, 2009.
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