terça-feira, 16 de janeiro de 2024

"Lá, onde as casualidades são datas" - Rajae Talbi

 





Lá, onde as casualidades são datas




1




Éramos dois feridos 


e ciosos de uma noite


que tanto havíamos esperado


uma noite mais curta que uma delícia.


Os seus minutos debicam


o nosso cansaço


como uma ilusão de sossego


foi um sonho nosso


era a promessa de um clamor.


2


Éramos dois feridos


a escuridão para a luz


é um olvido


e dois lábios


que humedecem as brasas da advertência


com o sabor da terra.


3


No caminho que a ti me leva 


em pé me detiveste


como uma palmeira


que não admite submissão.


4


Em direção ao céu


em direção aos meus abismos


levanto os meus ramos.


5


Éramos dois feridos


enquanto esta noite assombrava tanto


como um pecado


aberto ao céu


e mãos que não têm qualquer motivo


para saudar a lua.


6


Éramos dois feridos


Enquanto taças zumbiam


como desilusão de uma dúvida


num equívoco majestoso


este calor refrigerava os sentidos


e num desaconchego


os órgãos desamarram-se.


7


Do manancial do tempo bebemos


como crianças de uma alvorada recém-nascida


com lábios endurecidos


de tanto beijar


acariciamos as gargalhadas do vento.


8


Assim…


como o arco-íris


abandona a cintura do céu


abandonei


durante um dilúvio


os meus rios


eterna é a tua sede


Quanta chuva necessito


para batizar este amor!


9


Quantas vezes


pisámos a monotonia


dos nossos dias!


Com a agilidade de uma borboleta,


refugiámo-nos


nas sombras dos instantes


precedendo os nossos sonhos. 



Rajae Talbi*



*Nasceu em Casablanca. Escritora, poeta e tradutora, é licenciada em Literatura Árabe pela Universidade Hassan II de Casablanca, tendo obtido o Diploma de Estudos Avançados no Departamento de Poesia Moderna da Universidade Mohamed V de Rabat. Trabalha como administradora na Direção do Livro, Bibliotecas e Arquivos, exercendo ainda a função de diretora do Departamento de Museus Nacionais e Regionais. Entre 2001 e 2007 foi diretora do Departamento de Apoio ao Livro. É membro da União de Escritores de Marrocos e de várias outras instituições. A sua obra foi já traduzida para turco, alemão, espanhol, e (agora) português. Figura em várias antologias. Publicou os seguintes livros: Sóis da identidade, 2000; Olho emigrante, 2004, e Frio ligeiro, 2009.


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