"casa" - fernando rios
casa
a
casa o corpo a vida
há
que se adentrar ao corpo
como
se penetra na casa
como
se penetra na vida
tenho
pele músculos órgãos
sangue
unhas cabelos ossos
e naturalmente animal vegetal
me
adentro da cabeça aos pés
minha
casa corpo vida
tem
porta sala janela
cozinha
quarto banheiro
à
espera de penetrações
às
vezes me prendo
pelo
lado de fora
da
casa ou do corpo?
alegres
tristes sinas em alegorias
que
euforias no dia a dia
que
horrores desgostos desolações
melancolias
depressões misantropias
minhas
sinas desfilam diante de mim?
meu
corpo minha casa
minha
casa meu corpo
onde
está minha vida
onde
estão minhas filantropias?
entro
e saio de mim
como
entro e saio de minha casa?
a
vida me espera me espreita
me
denuncia
aos
brados me convoca
para
que desistir?
só
se implode amorosamente com o outro
ou
no mínimo em romaria
quantas
portas e janelas
fecham
e abrem a cada segundo
em meu corpo casa vida?
meu
corpo animal encontrou uma caverna
e
agora quem governa
é
meu corpo líquido mineral físico químico
quantas
sombras minha caverna absorve
quantas
vezes vou e volto
afogado
em lágrimas
embriagado
em vinho?
o
que dizer aos seres sombrios?
quantas
vozes gritando norte sul
enlouquecem
a rosa dos ventos
destroem
o astrolábio
e
me mandam à deriva?
casa
navio ou casulo?
há
que entrar e sair
nenhuma
casa aconchega
se
não tiver o calor
se
não tiver o odor
que
se transforma em memória
que
registra alegria
acima
de qualquer dor
mesmo
no corpo que pausa
a
casa caminha tênue
porque
há corpo
porque
corpo sem casa
vagueia
há
também os sem casa
e
seus corpos?
que
corpos são esses?
como
eles vagueiam indestinados?
são
crianças jovens adultos velhos
tempos
de todas idades
adulterados
pela miséria pela fome
pela
solidão pelo álcool pela droga
pela
nossa cegueira
pela
nossa hipocrisia
pelo
nosso não olhar
pelo
nosso anestésico não sentir
os sem casa não têm corpo?
são
invisíveis para olhos sensíveis?
não
são alcançados pelas mãos?
pela
nossa emoção?
valem
menos que um pet?
viajam
pelas ruas sem destino?
concretizam
o nosso desatino?
corpos
e casas precisam-se
significam-se
acrescentam-se
apascentam-se
corpos
sem casas
entram
em erupção
mágicos
toques humanizam-se em solidariedades
casa
e corpo são construídos nos detalhes
dedos
trazem a luz de onde quer que ela venha
e
acendem a casa
dedos
tocam os corpos e se acendem
acendem
peles iluminam almas
que
perambulam eisteinianamente
sem
qualquer fórmula
pelo
tempo espaço
que
fazem de um corpo
casa
de alguém
corpo
e casa
propriedades
e proprietários
sabem
de quem
e
de cada um com seu cada qual
a
casa é um útero
como
o útero é uma casa
como
o mar é um útero/casa
como
um útero/casa é uma casa/útero
que
nos convida ao viver
que
nos impele ao viver
que
nos convence ao viver
viver
que vida, com quem?
em
que humana solitária solidária idade?
quantas
guerras serão necessárias
para que úteros corpos casas vidas
possam
abraçar-se calorosas/mentes?
fernando
rios
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