sábado, 6 de janeiro de 2024

"casa" - fernando rios


 

casa

 




a casa o corpo a vida


há que se adentrar ao corpo


como se penetra na casa


como se penetra na vida


tenho pele músculos órgãos


sangue unhas cabelos ossos


e naturalmente animal vegetal


me adentro da cabeça aos pés


minha casa corpo vida


tem porta sala janela


cozinha quarto banheiro


à espera de penetrações


às vezes me prendo


pelo lado de fora


da casa ou do corpo?


alegres tristes sinas em alegorias


que euforias no dia a dia


que horrores desgostos desolações


melancolias depressões misantropias


minhas sinas desfilam diante de mim?


meu corpo minha casa


minha casa meu corpo


onde está minha vida


onde estão minhas filantropias?


entro e saio de mim


como entro e saio de minha casa?


a vida me espera me espreita


me denuncia


aos brados me convoca


para que desistir?


só se implode amorosamente com o outro


ou no mínimo em romaria


quantas portas e janelas


fecham e abrem a cada segundo


em meu corpo casa vida?


meu corpo animal encontrou uma caverna


e agora quem governa


é meu corpo líquido mineral físico químico


quantas sombras minha caverna absorve


quantas vezes vou e volto


afogado em lágrimas


embriagado em vinho?


o que dizer aos seres sombrios?


quantas vozes gritando norte sul


enlouquecem a rosa dos ventos


destroem o astrolábio


e me mandam à deriva?


casa navio ou casulo?


há que entrar e sair


nenhuma casa aconchega


se não tiver o calor


se não tiver o odor


que se transforma em memória


que registra alegria


acima de qualquer dor


mesmo no corpo que pausa


a casa caminha tênue


porque há corpo


porque corpo sem casa


vagueia


há também os sem casa


e seus corpos?


que corpos são esses?


como eles vagueiam indestinados?


são crianças jovens adultos velhos


tempos de todas idades


adulterados pela miséria pela fome


pela solidão pelo álcool pela droga


pela nossa cegueira


pela nossa hipocrisia


pelo nosso não olhar


pelo nosso anestésico não sentir


os sem casa não têm corpo?


são invisíveis para olhos sensíveis?


não são alcançados pelas mãos?


pela nossa emoção?


valem menos que um pet?


viajam pelas ruas sem destino?


concretizam o nosso desatino?


corpos e casas precisam-se


significam-se acrescentam-se


apascentam-se


corpos sem casas


entram em erupção


mágicos toques humanizam-se em solidariedades


casa e corpo são construídos nos detalhes


dedos trazem a luz de onde quer que ela venha


e acendem a casa


dedos tocam os corpos e se acendem


acendem peles iluminam almas


que perambulam eisteinianamente


sem qualquer fórmula


pelo tempo espaço


que fazem de um corpo


casa de alguém


corpo e casa


propriedades e proprietários


sabem de quem


e de cada um com seu cada qual


a casa é um útero


como o útero é uma casa


como o mar é um útero/casa


como um útero/casa é uma casa/útero


que nos convida ao viver


que nos impele ao viver


que nos convence ao viver


viver que vida, com quem?


em que humana solitária solidária idade?


quantas guerras serão necessárias


para que úteros corpos casas vidas


possam abraçar-se calorosas/mentes?



 

fernando rios


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