terça-feira, 23 de maio de 2023

"Sei os teus seios" - Alexandre O'Neill

 




Sei os teus seios

 

 

 




Sei os teus seios.


Sei-os de cor.




Para a frente, para cima,


Despontam, alegres, os teus seios.



 

Vitoriosos já,


Mas não ainda triunfais.




Quem comparou os seios que são teus


(Banal imagem) a colinas!



 

Com donaire avançam os teus seios,


Ó minha embarcação!




Porque não há


Padarias que em vez de pão nos deem seios


Logo p’la manhã?




Quantas vezes


Interrogastes, ao espelho, os seios?




Tão tolos os teus seios! Toda a noite


Com inveja um do outro, toda a santa
Noite!



Quantos seios ficaram por amar?



Seios pasmados, seios lorpas, seios


Como barrigas de glutões!



 

Seios decrépitos e no entanto belos


Como o que já viveu e fez viver!




Seios inacessíveis e tão altos


Como um orgulho que há-de rebentar


Em desesperadas, quarentonas lágrimas…




Seios fortes como os da Liberdade


-Delacroix-guiando o Povo.



 

Seios que vão à escola p’ra de lá saírem


Direitinhos p’ra casa…




Seios que deram o bom leite da vida


A vorazes filhos alheios!



 

Diz-se rijo dum seio que, vencido,


Acaba por vencer…




O amor excessivo dum poeta:


“E hei-de mandar fazer um almanaque


da pele encadernado do teu seio”



 

Retirar-me para uns seios que me esperam


Há tantos anos, fielmente, na província!




Arrulho de pequenos seios


No peitoril de uma janela


Aberta sobre a vida.




Botas, botirrafas


Pisando tudo, até os seios


Em que o amor se exalta e robustece!



 

Seios adivinhados, entrevistos,


Jamais possuídos, sempre desejados!




“Oculta, pois, oculta esses objetos


Altares onde fazem sacrifícios


Quantos os veem com olhos indiscretos”




Raimundo Lúlio, a mulher casada


Que cortejastes, que perseguistes


Até entrares, a cavalo, p’la igreja



Onde fora rezar,


Mudou-te a vida quando te mostrou


(“É isto que amas?”)


De repente a podridão do seio.




Raparigas dos limões a oferecerem


Fruta mais atrevida: inesperados seios…




Uma roda de velhos seios despeitados,


Rabujando,


A pretexto de chá…




Engolfo-me num seio até perder


Memória de quem sou…



 

Quantos seios devorou a guerra, quantos,


Depressa ou devagar, roubou à vida,


À alegria, ao amor e às gulosas


Bocas dos miúdos!



 

Pouso a cabeça no teu seio


E nenhum desejo me estremece a carne.




Vejo os teus seios, absortos


Sobre um pequeno ser



 

 

 

Alexandre O'Neill


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