"Receita de ano novo" - Carlos Drummond de Andrade
Receita de
ano novo
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua
paz,
Ano Novo sem comparação com todo o
tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo,
remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do
vir-a-ser;
novo até no coração das coisas
menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão
perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se
trabalha,
você não precisa beber champanha
ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber
mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas
mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as
nações,
liberdade com cheiro e gosto de
pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que
não é fácil,
mas tente, experimente,
consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade
Para ler o Prefácio da 2ª edição do livro “CULTURA ACÚSTICA E LETRAMENTO EM MOÇAMBIQUE: Em busca de fundamentos antropológicos para uma educação intercultural” do autor do blog clique aqui