Brian Mier: "PT não esqueceu a questão de classe ao escolher negros e mulheres para o ministério"
Querido Papai Noel,
Em
setembro de 1897, a garotinha Virginia O'Hanlon escreveu ao jornal de sua
cidade, o New York Sun, perguntando se o senhor existia. Sua carta foi motivada
pela pressão que ela recebia de seus coleguinhas na escola que, influenciados
por um realismo prematuro, insistiam que o senhor era uma invenção. Sem saber o
que fazer, ela perguntou ao seu pai, que lhe deu uma resposta curiosa: se Papai
Noel está no New York Sun, então ele existe.
A
menina não perdeu tempo. Numa carta ao jornal, relatou seu drama pessoal e fez
um pedido. "Por favor, me fale a verdade. Existe Papai Noel?".
Dias
depois, ela receberia a resposta do jornal. "Sim, Virginia, Papai Noel
existe", afirmou a carta, lembrando que ele era tão real quanto a
existência do amor e da generosidade. E, repleto de afeto, o jornal completou a
carta apontando que seria triste um mundo onde não existisse Papai Noel e nem
meninas como ela.
Papai Noel,
Confiando
na versão da imprensa sobre sua existência, decidi que neste ano eu também iria
enviar uma carta ao senhor com um pedido de Natal. Sei que há muito tempo o
senhor não recebe nada de mim. Estive ocupado com desafios que eu sequer
imaginei que existissem. Mas eu era aquele garoto gordinho que vivia pedindo
uma bola do São Paulo e uma camisa assinada pelo Careca.
Enfim,
achei que esse era um momento oportuno para voltar a falar contigo. Nunca
esqueci a linda história que um dia me contaram sobre a origem medieval de teu
nome: Noel, ou "novo sol".
Bom,
o senhor deve ter acompanhado, mas o ano foi dramático em meu país. E, para
completar, tivemos os pênaltis contra a Croácia. É verdade que conquistamos
vitórias importantes, como a derrota nas urnas de um presidente que simbolizava
a destruição e o desumano.
Mas
esse é só o marco zero de uma tarefa que vai definir nossa geração. Temos
diante de nós um país a reconstruir e uma democracia a erguer. E, neste
momento, muitos de nós saímos de 2022 exaustos, com a consciência da existência
de uma sociedade profundamente dividida e com o ódio instalado.
Num
mundo onde a distância é calculada em afeto, retornaremos neste Natal às nossas
casas como primo, filho, neto e irmão. Deixamos na porta de entrada nossa
função pública, nossa profissão. Voltamos a nós mesmos. Mas será que
conseguiremos costurar nossos sentimentos de novo com aqueles que fizeram parte
da construção de nossas identidades mais íntimas?
Como
o senhor vê, precisamos de sua generosidade. Por isso, escrevo essa carta para
pedir três presentes neste Natal.
O
primeiro deles é amor. Pode trazer da forma que o senhor desejar. Num novo
casal apaixonado, no nascimento de um novo filho, num canteiro de flores bem
cuidado. Mas adoraria ver instalado esse amor na forma de política pública. Ou
seja, a garantia de que recursos sejam usados para que as pessoas possam viver
com dignidade. O amor como direito. O amor como garantia de sobrevivência, por
maior que seja a diversidade.
Ajude-nos, portanto, a não perder a capacidade de amar,
o chão da transformação.
Meu
segundo pedido é para que não nos falte indignação. Durante a pandemia, os que
mais choraram não foram aqueles que desistiram. Mas aqueles que se recusavam a
aceitar a situação. Aqueles que se indignaram. Hoje, essa indignação é nossa
arma contra a injustiça, contra o racismo, contra a violência. Recusar a ideia
de que a noite nos ganhou. A noção de que o sofrimento de um desconhecido não
tem relação comigo.
Em
Roma, a escritora Juliana Monteiro passou o ano transformando cenas do
cotidiano em insurreição, em sinfonias e em indignação. Ela diz que o ódio pode
circular por conta de uma complacência por parte da sociedade. Por conta do
silêncio de muitos de nós.
Ajude-nos, portanto, a não perder essa indignação, o
combustível da transformação.
O
terceiro pedido não é menos importante. Peço que o senhor traga esperança. A
mesma de que Virginia, a garota de Nova York, se recusou a abrir mão. A
esperança que sufoca o cinismo, que renova nossa teimosia pelo sonho, a que faz
a audácia não custar tão caro, a que desafia a lógica e a que torna possível as
utopias.
Ajude-nos, portanto, a não perder a esperança, a
bússola da transformação.
Querido Papai Noel,
Martin
Luther King dizia que só quando está escuro o suficiente é que podemos ver as
estrelas. Acho que, em 2022, vivemos uma escuridão que nos permitiu voltar
enxergar o que norteia a existência humana.
Agora,
com amor, indignação e esperança, tenho certeza de que poderemos abrir um novo
ciclo de sol.
Feliz
Natal, querido Papai Noel
Jamil
Chade
PS: Eu, pessoalmente, tinha mais um pedido a fazer: o
de ver o São Paulo campeão do mundo de novo. Mas entendo que até Papai Noel tem
limites.
Fonte: UOL, 24/12/2022
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