sábado, 31 de dezembro de 2022

O Brasil no Mundo: perspectivas com Lula

 





A mudança de ano, baseada no giro do Planeta Terra em torno do Sol, não deixa de ser uma convenção humana, um modo de nos situarmos e relacionarmos como seres humanos vivos no complexo movimento do sistema natural planetário. O calendário que adotamos é um produto cultural dominante, eurocêntrico, que nos foi imposto como universal, fruto da expansão conquistadora colonial da Europa, que deu origem ao capitalismo. Muitos outros existiram e ainda existem como referências para culturas milenares, mas não têm a mesma amplitude. De todo modo, criamos calendários e acabamos subordinados ao ritmo ditado por eles, pois são uma necessidade humana, uma espécie de bem comum compartilhado, na relação entre nós mesmos e com a natureza. Para ler o texto de Cândido Grzybowski clique aqui








Carta para Lula: o senhor assume o mandato mais importante de nossa democracia




Senhor presidente,


Sobrevivemos ao momento mais ameaçador de nossa jovem democracia e vencemos sem disparar um só tiro. Um homem pequeno, repugnante, violento, cruel, ignorante e irresponsável fugiu, deixando órfãos milhares de seguidores que foram fraudados por uma estratégia que usou a mentira como instrumento de poder.


Agora, temos a obrigação de reinventar o futuro, em nome daqueles que padeceram sob um governo negacionista e de tantos outros que, em suas lágrimas, viram sonhos serem esmagados. Temos a obrigação de reinventar a nossa democracia, quem somos no mundo e nossa identidade nacional múltipla, diversa e inclusiva.


A realidade, presidente, é que a partir de agora os olhos do mundo estão focados no senhor.


Aos brasileiros, sua presidência tem pela frente a tarefa hercúlea de ter de restabelecer a confiança nas instituições, de pacificar famílias, de dar sentido à função pública, de resgatar a dignidade de milhões de famintos.


Ao mundo, sua gestão terá de provar que a Amazônia não fica na periferia do Brasil. Mas sim no centro do poder, das prioridades e do projeto de nação. Dela depende, em muitos aspectos, a sobrevivência não apenas de uma democracia. Mas de nossa existência no planeta.


Ao mundo, que carece de liderança, sua presidência terá de provar que somos um parceiro confiável, que combatemos a corrupção e o crime, que somos parte das soluções para as crises do planeta. E não parte dos problemas.


Sua posse será marcada por um número inédito de delegações estrangeiras. Mas não tenha a ilusão de que isso é uma chancela pessoal apenas ao senhor. Sua vitória - e agora sua posse - eram passos fundamentais para que as democracias ocidentais pudessem dar uma resposta ao movimento de extrema-direita, que ganha terreno, invade famílias, cultos, escolas, torcidas de futebol e todos os aspectos da sociedade.


Prezado Lula,


Por tudo isso, considero que o senhor assume o mandato mais importante da história da democracia brasileira. Talvez essa seja a última chance que temos de desmontar um movimento bárbaro que fincou raízes profundas e armadas no Brasil.


Um eventual fracasso de sua gestão dará força e uma narrativa de legitimidade a grupos que não acreditam na democracia como pacto social.


Bolsonaro fugiu. Mas o bolsonarismo se instalou em nosso país. Ganhou assentos importantes no Senado e nos estados. E, com a ajuda da flexibilização de certas leis, abriram nas consciências armas um espaço real para o ódio.


Não há consenso sobre seu nome, as urnas mostraram isso. Muitos brasileiros não teriam votado no senhor se não fosse por uma necessidade urgente de impedir a implosão de nossa democracia. Isso sem contar com a outra metade do país que não votou pelo senhor.


Portanto, não haverá período de trégua, um silêncio de 100 dias ou uma suposta lua de mel.


Como imprensa, estamos aqui para fiscalizar, cobrar e questionar. Mas também para reconhecer que decisões tomadas por sua equipe merecem ser aplaudidas: uma Funai verdadeiramente indígena, a volta da participação de mulheres em postos ministeriais, a busca por uma diversidade, uma liderança real em temas de direitos humanos, cientistas renomados responsáveis pela Saúde, ambientalistas nos cargos adequados, vozes do movimento negro no esforço de democratização.


Somos hoje uma nação violentada, uma república profanada e temos o ódio normalizado como instrumento político. O mandato de quatro anos do governo de Jair Bolsonaro termina com uma característica típica dos mandatários medíocres: a covardia.


Desejar o inferno para esse imoral não resolverá nossos problemas. Temos de desejar Justiça. Para que quem mate morra de medo. Para determinar, como bem colocou o argentino Julio Strassera, que o sadismo não é uma orientação política. É perversão moral.


Presidente,


A tarefa de retirar o país de um fosso, da depressão e do esgotamento é enorme. Muitos acreditam que o senhor não tem direito de errar. A cobrança é exagerada? Talvez. Mas o que está em jogo definirá nossa geração. No Brasil e no mundo.


Boa sorte, feliz ano novo e saudações democráticas


Jamil Chade


Fonte: UOL, 31/12/2022


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