O Brasil no Mundo: perspectivas com Lula
Senhor
presidente,
Sobrevivemos
ao momento mais ameaçador de nossa jovem democracia e vencemos sem disparar um
só tiro. Um homem pequeno, repugnante, violento, cruel, ignorante e
irresponsável fugiu, deixando órfãos milhares de seguidores que foram fraudados
por uma estratégia que usou a mentira como instrumento de poder.
Agora,
temos a obrigação de reinventar o futuro, em nome daqueles que padeceram sob um
governo negacionista e de tantos outros que, em suas lágrimas, viram sonhos
serem esmagados. Temos a obrigação de reinventar a nossa democracia, quem somos
no mundo e nossa identidade nacional múltipla, diversa e inclusiva.
A
realidade, presidente, é que a partir de agora os olhos do mundo estão focados
no senhor.
Aos
brasileiros, sua presidência tem pela frente a tarefa hercúlea de ter de
restabelecer a confiança nas instituições, de pacificar famílias, de dar
sentido à função pública, de resgatar a dignidade de milhões de famintos.
Ao
mundo, sua gestão terá de provar que a Amazônia não fica na periferia do
Brasil. Mas sim no centro do poder, das prioridades e do projeto de nação. Dela
depende, em muitos aspectos, a sobrevivência não apenas de uma democracia. Mas
de nossa existência no planeta.
Ao
mundo, que carece de liderança, sua presidência terá de provar que somos um
parceiro confiável, que combatemos a corrupção e o crime, que somos parte das
soluções para as crises do planeta. E não parte dos problemas.
Sua
posse será marcada por um número inédito de delegações estrangeiras. Mas não
tenha a ilusão de que isso é uma chancela pessoal apenas ao senhor. Sua vitória
- e agora sua posse - eram passos fundamentais para que as democracias
ocidentais pudessem dar uma resposta ao movimento de extrema-direita, que ganha
terreno, invade famílias, cultos, escolas, torcidas de futebol e todos os
aspectos da sociedade.
Prezado
Lula,
Por
tudo isso, considero que o senhor assume o mandato mais importante da história
da democracia brasileira. Talvez essa seja a última chance que temos de
desmontar um movimento bárbaro que fincou raízes profundas e armadas no Brasil.
Um
eventual fracasso de sua gestão dará força e uma narrativa de legitimidade a
grupos que não acreditam na democracia como pacto social.
Bolsonaro
fugiu. Mas o bolsonarismo se instalou em nosso país. Ganhou assentos
importantes no Senado e nos estados. E, com a ajuda da flexibilização de certas
leis, abriram nas consciências armas um espaço real para o ódio.
Não
há consenso sobre seu nome, as urnas mostraram isso. Muitos brasileiros não
teriam votado no senhor se não fosse por uma necessidade urgente de impedir a
implosão de nossa democracia. Isso sem contar com a outra metade do país que
não votou pelo senhor.
Portanto,
não haverá período de trégua, um silêncio de 100 dias ou uma suposta lua de
mel.
Como
imprensa, estamos aqui para fiscalizar, cobrar e questionar. Mas também para
reconhecer que decisões tomadas por sua equipe merecem ser aplaudidas: uma
Funai verdadeiramente indígena, a volta da participação de mulheres em postos
ministeriais, a busca por uma diversidade, uma liderança real em temas de
direitos humanos, cientistas renomados responsáveis pela Saúde, ambientalistas
nos cargos adequados, vozes do movimento negro no esforço de democratização.
Somos
hoje uma nação violentada, uma república profanada e temos o ódio normalizado
como instrumento político. O mandato de quatro anos do governo de Jair Bolsonaro termina com uma
característica típica dos mandatários medíocres: a covardia.
Desejar
o inferno para esse imoral não resolverá nossos problemas. Temos de desejar
Justiça. Para que quem mate morra de medo. Para determinar, como bem colocou o
argentino Julio Strassera, que o sadismo não é uma orientação política. É
perversão moral.
Presidente,
A
tarefa de retirar o país de um fosso, da depressão e do esgotamento é enorme.
Muitos acreditam que o senhor não tem direito de errar. A cobrança é exagerada?
Talvez. Mas o que está em jogo definirá nossa geração. No Brasil e no mundo.
Boa
sorte, feliz ano novo e saudações democráticas
Jamil
Chade
Fonte:
UOL, 31/12/2022
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