quinta-feira, 1 de abril de 2021

"É tarde meu amor" - Al Berto


 




É tarde meu amor

 



 

 

 

é tarde meu amor


estou longe de ti com o tempo, diluíste-te nas veias das marés, na saliva


de meu corpo sofrido


agora, tuas máquinas trituram-me, cospem-me, interrompem o sono


habito longe, no coração vivo das areias, no cuspo límpido dos corais...


e no ventre impossível das cidades noturnas


a solidão tem dias mais cruéis


tentei ser teu, amar-te e amar o falso ouro... quis ser grande e morrer contigo

enfeitar-me com tuas luas brancas, pratear a voz em tuas águas de seda...


cantar-te os gestos com ternura


mas não


águas, águas, inquinadas pulsando dentro do meu corpo, como um peixe

ferido, louco


em mim a lama... e o visco inocente dos teus náufragos sem nome-de-rua,

nem estátua-de-jardim-público


aceito o desafio do teu desdém


na boca ficou-me um gosto a salmoura e destruição


apenas possuo o corpo magoado destas poucas palavras tristes que te cantam

 

(...)

 

 



 

 

Al Berto


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