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Leandro Demori
Acho muito fofo esse movimento que prega a
necessidade de um centro moderado. É como se fossem almas puras
que apenas querem salvar o próprio traseiro e poder gritar
"eu não votei nele" – seja "ele" alguém como
Bolsonaro ou um petista. Vocês não acham fofo? Eu acho fofo. Leiam esse texto da Folha e
voltem depois pra terminar de ler a news desse sábado.
Leram? Então lá vamos nós com algumas questões.
Quem são os nomes desse centro que os autores pregam como a
salvação do país? O texto não diz. Mas sobretudo – e disso eles
fugirão – a quem eles se aliarão quando chegar a hora de largar o
teclado no ar condicionado e percorrer as ruas implorando por
votos? Ou acham possível eleger qualquer nome desse centro
místico sem abraçar a esquerda ou a extrema direita no Brasil de
hoje?
Não, não é possível. Quem serão seus aliados? Isso eles não
falam. Como o artigo sequer menciona Bolsonaro – mas cita “Lula”
emblemáticas 13 vezes – eu só posso exercitar a imaginação.
Note que isso tudo é apenas retórica intelectual pura sem
qualquer lastro na realidade. Vivemos em um país polarizado, sim,
e é com esse país que temos que lidar porque, ora, a polarização
não vai sumir e ninguém fará os polos desaparecerem para abrir
caminho para esse centro lúdico.
Esse centro, já deu pra ler bem, não existe. O nome desse centro
que os autores pregam é "conservadorismo", e tem lá um
toque de Itália dos anos 90: chama um animador de auditório pra
resolver a parada. Um animador de auditório que, real ou
figurado, vai defender o capital, que faz parte da concentração
de renda, que é "liberal na economia e conservador nos
costumes", que acaba sempre em "bolsodoria" ou
algo do tipo porque é esse o menu para daqui a menos de um ano,
quando teremos eleições municipais.
Ou, como disse o Fernando Barros, "os ideólogos de Huck estão na praça,
gastando tinta para emplacar o telepopulismo liberal de centro
moderado". Não sou tão otimista: de centro esse
movimento não tem nem o cheiro.
Sabem por que que nenhum dos pregadores do centro salvador ousa
levantar nomes? Porque o centro visível no Brasil das nossas
ruínas vai de Rodrigo Maia à Jandira Feghali (e passa por Gilmar
Mendes). São essas as pessoas que realmente estão trabalhando para
conter a barbárie, para barrar as insanidades de Jair e de seu
delegado de polícia de estimação, o ex-juiz.
É mais fácil – e até libertador – para esses intelectuais
acreditarem na "terceira via", essa mística que ronda a
política brasileira há décadas, o cavaleiro branco que aparece e
salva todos sem sujar as mãos. Uma mentira, porque ele não apenas
não terá essa força sem se aliar a um dos polos, como também
sujará as mãos.
Já que não nos dão pistas de que rosto teria esse suposto centro,
eu vou gastar um parágrafo para tentar adivinhar.
Samuel Pessôa, um dos que assinam o artigo na Folha, por exemplo,
é sócio de
uma empresa chamada Reliance. Essa empresa é do grupo Julius
Baer, um banco suíço notório por seu trabalho que consiste
basicamente em: esconder em paraísos fiscais o dinheiro dos ultra
ricos do mundo. O banco Julius Baer ficou mundialmente famoso
quando operou contra a liberdade de publicar documentos e derrubou na justiça o
site Wikileaks por duas semanas depois que jornalistas
expuseram documentos internos com indícios de evasão de divisas e
lavagem de dinheiro. O site voltou ao ar, o banco pagou mais de
meio bilhão de dólares para não ser
investigado nos EUA, e as acusações contra a fonte dos
documentos – um ex-funcionário – foram consideradas
inválidas. Pessôa pode dizer que sou contra o modo
como ele ganha seu dinheiro. Não sou. Quero apenas saber que
apito toca o dinheiro dos ideólogos do novo centro brasileiro. Um
exercício de transparência que seu banco-patrão tanto odeia.
Todos lembram o destino do centro de 2018. O Partido Novo virou
base de apoio de Bolsonaro. O PSDB virou Bolsodoria. Se estão
abraçados ao capitão de hospício, não são de centro. É esse o
mesmo centro que pregam Pessôa e seus companheiros? Se não é,
qual seria? Pelo artigo, não podemos saber. No mundo real, onde
se disputa votos para vencer uma eleição, na hora do pega pra
capar, dirão que Bolsonaro (ou qualquer outro do seu tipo)
"tem uma chance de ouro de ressignificar a política do Brasil”,
como disse o centrista Luciano Huck?
Se repudiam essa ideia, devem gritar mais alto, porque não dá pra
ouvir.
Parece fácil escrever que é preciso “retomar diálogo para evitar
radicalismos e reencontrar equilíbrio”, se afastando dos polos
como se fossem duas doenças incuráveis contra as quais,
escrevendo artigos ilusórios em jornais, os autores nos receitam
a cura. Então que saiam da toca de modo claro: a quem devemos
confiar nossos votos? Quem é o novo fenômeno que em três anos
fará 60 milhões de votos para derrotar o PT, o Bolsonaro e o
diabo que seja? Estamos ouvindo. Enquanto isso não acontecer,
sigam tomando o cafezinho dos imaculados que, daqui da calçada,
podemos ver seus mindinhos em riste. Até engana um pouco. Mas só
um pouquinho.
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