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Escola partida
Vera Iaconelli*
Há grandes riscos em deixar nossos filhos aprenderem história do Brasil
6.nov.2018
Soa muito suspeito o fato de que um professor falar sobre
pobreza, solidariedade, equanimidade ou ensinar a história do nosso país seja
interpretado como discurso ideológico da “esquerda comunista comedora de
criancinha”.
Mais suspeito ainda é uma
deputada, defensora
da Escola sem Partido, tirar fotos em sala de
aula vestida com a camisa do seu candidato. A mesma que incitou os alunos a
cometerem o crime de filmar e denunciar os supostos professores de “esquerda
comunista comedora de criancinha”.
Obviamente não há nada de
estranho, trata-se justamente de tentar ultrapassar os muros das escolas,
último espaço de exercício da crítica e do livre pensamento, com a mão pesada
do autoritarismo e da ideologia.
O que será que pais que
encamparam essas ideias temem que aconteça com seus filhos? Qual é a ameaça que
paira sobre nossas crianças?
Alguns riscos merecem ser
elencados, pois são bem reais.
O risco de estudarem a história de nosso país e reconhecerem que
a crescente violência alardeada como justificativa para o autoritarismo sempre
existiu nas classes pobres, com um índice de mortes por arma de fogo comparável
a de uma guerra civil. Estudarem que a violência de Estado e a repressão
arbitrária nunca diminuíram a criminalidade em país algum, enquanto educação,
justiça social e distribuição de renda sim.
O risco de se reconhecerem
igualmente humanos e com direito à vida, sejam mulheres, negros ou índios.
Risco no qual o cristianismo tem insistido nos últimos dois milênios, embora
com bem pouco sucesso. Capaz de defender pobres, prostitutas e estrangeiros, o
sermão cristão original não seria aceito na Escola sem Partido (sem partido dos
outros, entenda-se).
O risco de descobrirem que
meritocracia é uma régua que só pode ser usada quando os concorrentes saem do
mesmo ponto de partida.
E pior, se inspirados na
dedicação de seus professores, nossos filhos resolverem ser eles mesmos
docentes, ganhando a miséria que os professores ganham e sendo xingados por
“mamar nas tetas do Estado” se trabalharem em escolas e universidades públicas?
Anos de mensalidades de
escolas particulares para quê? Para formarmos cidadãos? E se eles votarem pela
diminuição dos privilégios das classes favorecidas, assim como acontece no
Canadá, Portugal, Noruega, Dinamarca, Holanda? E se nos obrigarem, com seu voto
subversivo, a conviver com a população negra brasileira em pé igualdade? Metade
dos assentos nos aviões, nas salas das universidades, nos cinemas, nas
bibliotecas, nos museus serem ocupados por negros, índios, mulatos? Metade dos
cargos de chefia no âmbito privado e público serem preenchidos por mulheres?
Sim, professores são um
perigo, não porque eles façam nossas crianças pensarem isso ou aquilo, mas
porque as fazem pensar. Em tempos de autoritarismo e elogio à tortura é o
pensamento que está sob ameaça. Quando a imprensa, a oposição e a escola
encontram-se explicitamente ameaçadas como hoje, pais que dizem prezar a
democracia precisam rever o que entendem pelo termo.
Recentemente um professor
de sociologia do Ceará passou o filme “Batismo de Sangue” em sala de aula,
baseado na história da prisão de Frei Beto. Foi denunciado por fazer apologia
contra o então candidato à Presidência da República.
A mensagem é clara, não
podemos criticar a tortura, defender negros, mulheres, gays e pobres sob pena
de sermos considerados criminosos. É isso que queremos ensinar para nossos
filhos?
Fonte: Aqui
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