Leonardo Haberkorn: "Cansei-me ... rendo-me!"
"Cansei-me... rendo-me..."
Leonardo Haberkorn, jornalista e escritor, era professor numa
universidade de Montevideo. Corre na internet um artigo seu publicado em papel,
em 2015, com o título "Me cansé... me rindo...", onde declara ter
deixado o ensino, que antes o apaixonava, e explica porquê.
Tomamos a liberdade de o traduzir, pois, por certo, ele tocará
muitos professores e diretores de escolas. Desejável é que tocasse instâncias
superiores e, de modo mais alargado, a sociedade.
"Depois de muitos e muitos anos, hoje dei a última aula na
Universidade.
Cansei-me de lutar contra os celulares, contra o whatsapp e
contra o facebook. Ganharam-me. Rendo-me. Atiro a toalha ao chão.
Cansei-me de falar de assuntos que me apaixonam perante jovens
que não conseguem desviar a vista dos celulares que não param de receber
selfies.
Claro que nem todos são assim. Mas cada vez são mais.
Até há três ou quatro anos a advertência para deixar os celulares
de lado durante 90 minutos, ainda que fosse só para não serem mal-educados,
ainda tinha algum efeito.
Agora não. Pode ser que seja eu, que me desgastei demasiado no
combate. Ou que esteja a fazer algo mal.
Mas há algo certo: muitos desses jovens não têm consciência do
efeito ofensivo e doloroso do que fazem. Além disso, cada vez é mais difícil
explicar como funciona o jornalismo a pessoas que o não consomem nem veem
sentido em estar informadas.
Esta semana foi tratado o tema Venezuela. Só uma estudante entre
20 conseguiu explicar o básico do conflito. O muito básico. O resto não fazia a
mais pequena ideia. Perguntei-lhes (...) o que se passa na Síria? Silêncio. Que
partido é mais liberal ou que está mais à 'esquerda' nos Estados Unidos, os
democratas ou os republicanos? Silêncio. Sabem quem é Vargas Llosa? Sim!
Alguém leu algum dos seus livros? Não, ninguém! Lamento que os
jovens não possam deixar os celulares, nem na aula. Levar pessoas tão
desinformadas para o jornalismo é complicado.
É como ensinar botânica a alguém que vem de um planeta onde não
existem vegetais. Num exercício em que deviam sair para procurar uma notícia na
rua, uma estudante regressou com a notícia de que se vendiam, ainda, jornais e
revistas na rua.
Chega um momento em que ser jornalista é colocar-se na posição
do contra. Porque está treinado a pôr-se no lugar do outro, cultiva a empatia
como ferramenta básica de trabalho.
E então vê que estes jovens, que continuam a ter inteligência,
simpatia e afabilidade, foram enganados, a culpa não é só deles. Que a
incultura, o desinteresse e a alienação não nasceram com eles.
Que lhes foram matando a curiosidade e que, com cada professor
que deixou de lhes corrigir as faltas de ortografia, os ensinaram que tudo é
mais ou menos o mesmo. Então, quando compreendemos que eles também são vítimas,
quase sem darmos conta vamos baixando a guarda.
E o mau é aprovado como medíocre e o medíocre passa por bom, e o
bom, as poucas vezes que acontece, celebra-se como se fosse brilhante. Não
quero fazer parte deste círculo perverso. Nunca fui assim e não serei assim.
O que faço sempre fiz questão de o fazer bem. O melhor possível.
E não suporto o desinteresse face a cada pergunta que faço e para a qual a
resposta é o silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio.
Eles queriam que a aula terminasse.
Eu também."
Leonardo Haberkorn
Tradução de M. Helena Damião e Isaltina Martins
Fonte: Aqui
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