terça-feira, 24 de dezembro de 2024

"A morte do Natal" - Eva Cruz

 



A morte do Natal

 

 

 

Olhos de menina

 

 

 

na luz cristalina da inocência

 

 

 

nesse Natal a brilhar

 

 

 

nem que apenas fosse

 

 

 

de pratinhas de chocolate

 

 

 

nos soquinhos da chaminé

 

 

 

luzinhas do presépio

 

 

 

a salpicar o musgo da fonte

 

 

 

fonte Menino

 

 

 

Menino Jesus

 

 

 

em palhinhas deitado

 

 

 

pezinhos de beijar

 

 

 

no fim da missa

 

 

 

puro riso de criança

 

 

 

a louvar e entoar em liberdade

 

 

 

Hossanas a Deus nas Alturas

 

 

 

e Paz na terra aos homens de boa vontade.

 

 

 

Pobre inocência

 

 

 

efémera flor

 

 

 

sobre a campa da Verdade.

 

 

 

Natal de hoje

 

 

 

Natal sem luz

 

 

 

apagado de memórias

 

 

 

e de histórias sem sentido

 

 

 

histórias de Messias

 

 

 

Messias perdido

 

 

 

em anos de ilusão

 

 

 

sem presépio de palha

 

 

 

nem Natal pagão

 

 

 

de Pai Natal

 

 

 

sem alma e coração.

 

 

 

Árvore gigantesca

 

 

 

iluminada que seja

 

 

 

não ressuscita o Natal

 

 

 

nem os milhares

 

 

 

de crianças mortas

 

 

 

nem sopro de vida

 

 

 

nem um recanto de paz

 

 

 

para as crianças fugidas

 

 

 

nem uma réstia de sonho

 

 

 

nas crianças perdidas

 

 

 

escorraçadas

 

 

 

sem a doçura de um beijo

 

 

 

ou abraço de Natal

 

 

 

crianças abandonadas

 

 

 

no Berço do Redentor

 

 

 

Criador da Humanidade

 

 

 

como rezam as Escrituras

 

 

 

assim criada

 

 

 

à Sua imagem e semelhança.

 

 

 

Não.

 

 

 

Não tem sentido o Natal

 

 

 

de um Menino universal

 

 

 

quando matam as crianças

 

 

 

aos milhares e aos milhões

 

 

 

que a ninguém fizeram mal.

 

 

 

Crianças de carne e osso

 

 

 

crianças iguais às nossas

 

 

 

feitas em pedaços

 

 

 

amputadas

 

 

 

perdidas

 

 

 

abandonadas

 

 

 

olhitos de pânico

 

 

 

banhados em lágrimas de medo

 

 

 

lágrimas iguais às de toda agente

 

 

 

gotas transparentes

 

 

 

sem vestígios de ódio

 

 

 

feitas de água e cloreto de sódio.

 

 

 

Natal sem qualquer sentido

 

 

 

enfeitado de árvores sem vida

 

 

 

falsas árvores

 

 

 

sem raízes nem sementes

 

 

 

erguidas pelos algozes

 

 

 

sobre a imolação dos inocentes.

 

 

 

Amarga farsa

 

 

 

violenta hipocrisia

 

 

 

mais gelada do que a noite mais fria.

 

 

 

Custa-me perder o encanto

 

 

 

que todos os anos de menina me vestia

 

 

 

tangendo dentro do peito

 

 

 

a sonora corda de criança

 

 

 

do meu Natal de sonho e alegria.

 

 

 

Se eu pudesse…

 

 

 

apagava as luzes

 

 

 

todas as luzes

 

 

 

e tudo escurecia…

 

 

 

Uma vela apenas acendia

 

 

 

como luz de esperança

 

 

 

no nascer de um novo dia.

 

 

 

Eva Cruz





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