"A morte do Natal" - Eva Cruz
A morte do Natal
Olhos de menina
na luz cristalina da inocência
nesse Natal a brilhar
nem que apenas fosse
de pratinhas de chocolate
nos soquinhos da chaminé
luzinhas do presépio
a salpicar o musgo da fonte
fonte Menino
Menino Jesus
em palhinhas deitado
pezinhos de beijar
no fim da missa
puro riso de criança
a louvar e entoar em liberdade
Hossanas a Deus nas Alturas
e Paz na terra aos homens de boa vontade.
Pobre inocência
efémera flor
sobre a campa da Verdade.
Natal de hoje
Natal sem luz
apagado de memórias
e de histórias sem sentido
histórias de Messias
Messias perdido
em anos de ilusão
sem presépio de palha
nem Natal pagão
de Pai Natal
sem alma e coração.
Árvore gigantesca
iluminada que seja
não ressuscita o Natal
nem os milhares
de crianças mortas
nem sopro de vida
nem um recanto de paz
para as crianças fugidas
nem uma réstia de sonho
nas crianças perdidas
escorraçadas
sem a doçura de um beijo
ou abraço de Natal
crianças abandonadas
no Berço do Redentor
Criador da Humanidade
como rezam as Escrituras
assim criada
à Sua imagem e semelhança.
Não.
Não tem sentido o Natal
de um Menino universal
quando matam as crianças
aos milhares e aos milhões
que a ninguém fizeram mal.
Crianças de carne e osso
crianças iguais às nossas
feitas em pedaços
amputadas
perdidas
abandonadas
olhitos de pânico
banhados em lágrimas de medo
lágrimas iguais às de toda agente
gotas transparentes
sem vestígios de ódio
feitas de água e cloreto de sódio.
Natal sem qualquer sentido
enfeitado de árvores sem vida
falsas árvores
sem raízes nem sementes
erguidas pelos algozes
sobre a imolação dos inocentes.
Amarga farsa
violenta hipocrisia
mais gelada do que a noite mais fria.
Custa-me perder o encanto
que todos os anos de menina me vestia
tangendo dentro do peito
a sonora corda de criança
do meu Natal de sonho e alegria.
Se eu pudesse…
apagava as luzes
todas as luzes
e tudo escurecia…
Uma vela apenas acendia
como luz de esperança
no nascer de um novo dia.
Eva Cruz
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