terça-feira, 15 de outubro de 2024

"Presídio" - David Mourão-Ferreira

 



Presídio



Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo


Que dizer do pescoço, às vezes mármore,


às vezes linho, lago, tronco de árvore,


nuvem, ou ave, ao tato sempre pouco...?




E o ventre, inconsistente como o lodo?...


E o morno gradeamento dos teus braços?


Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:

é também água, terra, vento, fogo...




É sobretudo sombra à despedida;


onda de pedra em cada reencontro;


no parque da memória o fugidio




vulto da Primavera em pleno Outono...


Nem só de carne é feito este presídio,


pois no teu corpo existe o mundo todo!




David Mourão-Ferreira



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