José de Sousa Miguel Lopes - Prefácio do Livro de poesia "Palavrador" de Christian Coelho
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Christian
Coelho, autor do livro de poemas “Palavrador”, em conversa sobre o seu livro
com o autor do prefácio, o professor José de Sousa Miguel Lopes. Participaram
também desse encontro as narradoras de histórias Aguida Alves (do grupo Arautos
da Poesia), Bárbara Amaral e o músico Paul Bersey.
A fala do autor do Prefácio ocorre a partir do
minuto 23:11 até ao minuto 41:33 e da 1:12:21 até 1:13:02. Para assistir à
Conversa sobre o livro Palavrador" de Christian Coelho clique no
vídeo aqui
Prefácio
José de Sousa Miguel Lopes[1]
O espaço da poesia
sempre foi encontrado nos interstícios, nas fendas do muro, em contracorrente.
Tudo depende, afinal, do que se entende por poesia. Se poesia constituir uma
visão alternativa do mundo, e não apenas uma forma de arte, então ela terá poderes
para enfrentar este mundo. Às vezes, tudo o que resta é a palavra.
Mia Couto (13/05/2020)
A epígrafe de Mia Couto
insinua que estaremos vivendo um tempo nervoso, um tempo de enfrentamento. É,
certamente, um tempo de emoções e paixões, em particular discussões, ódios,
iras e tempestades diversas.
Christian Coelho
convida-me para uma tarefa desafiadora: escrever um Prefácio em tempos de
pandemia num momento em que, em todo o planeta, todos estão
despertos por um dos medos mais primitivos do ser humano: o medo da morte A
falta de controle sobre a vida e sobre o futuro, somada ao isolamento que
impede de estarmos próximos fisicamente das pessoas com quem dividimos nossos
temores e alegrias, tem profundas consequências em nossas vidas, se
manifestando também nos sonhos.
Porém, não são apenas os sonhos e
pesadelos que comunicam. O não sonhar também tem um significado. Diante das
crises geradas pela pandemia, a ansiedade generalizada e a insônia atingem cada
vez mais pessoas. À medida que o estresse e as preocupações aumentam, crescem
os níveis de cortisol no sangue e deitar a cabeça no travesseiro para ter uma
noite de sono torna-se um verdadeiro pesadelo.
Mas talvez por todo este
quadro tão sombrio, se faz mais necessário que nunca celebrarmos a vida, a
beleza, a arte. Por isso aceitei o desafio do Christian Coelho.
Parece que o fazer poético
está, a cada dia, perdendo terreno, numa luta implacável para que os valores
mais sublimes do ser humano não sucumbam neste turbilhão. Neste quadro, podemos
interrogar-nos: qual é o lugar da poesia e, mais
ainda, qual o lugar do poeta neste presente que só se justifica pelo quanto
sejamos capazes de realizar para dele nos afastarmos, ou seja, pelo quanto de
utopia sejamos capazes de cultivar – contra o que somos?
É preciso fertilizar a agrura do concreto, colorir a brancura
das paredes lisas, romper a imobilidade asséptica dos dias com alguma dose de
beleza, de delicadeza, de poesia. É preciso que a poesia não deixe de ser
nunca, ainda que só por um instante, a eterna dançarina do efêmero. Faz-se
necessária alguma poesia no tempo em que vivemos porque a poesia, por
definição, altera o mundo com a direção subjetiva do olhar, contrariando assim
toda a clareza ilusória, toda a objetividade falsa dos argumentos. A poesia
refunda a complexidade do mundo turvando-o com a mais pessoal das lentes. E,
sejamos sinceros, como olhar sem nenhuma lente este mundo em ruínas que a cada
manhã nos desperta? Como não fugir, diante dessa vista horrenda, a algum lugar
íntimo, como não tentar olhar a vista com a lente das lágrimas ou a lente da
beleza?
Como toda
a arte, a poesia nos traz a possibilidade de sonharmos e imaginarmos algo
radicalmente novo, fora de nosso planejamento racional e daquilo que já existe
em nosso mundo. Terreno fértil para o onírico, a poesia tem uma relação próxima
com esse mundo: são muitas as grandes obras que saíram de sonhos ou pesadelos,
assim como há os textos que parecem nos possibilitar acessar o inconsciente de
determinada época.
E o que
acontece com os sonhos quando um inimigo invisível nos priva da liberdade de ir
e vir? Como nossa experiência de sonhar se manifesta quando não é possível
saber em que momento tudo voltará a ser como antes? E desejamos mesmo que tudo
volte a ser como antes? Estaríamos satisfeitos com o “normal” que era a
existência antes do surgimento deste “inimigo” que a todos amedronta? Ou
sonharemos para que uma nova realidade mais humanizada se instaure? Isto nos
exige realizar um trabalho pioneiro sobre o onírico em tempos extremos que nos
possa auxiliar a compreender como os sonhos de uma sociedade se manifestam e
compõem o imaginário de uma época.
Por outro lado, queremos
que nos leiam, nos ouçam. Porém, temos dificuldades de parar para ouvir.
Quantas vezes impedimos o diálogo: na ânsia de falar não escutamos. Temos
muitas desculpas para não ouvir o outro e temos muita vontade de falar.
Queremos ser ouvidos, mas não queremos ouvir. Escutar, ouvir é mais difícil.
Para ouvir, temos que ficar em silêncio, temos que prestar atenção, temos que
esquecer nossos pensamentos e deixar que a ideia e a voz do outro, que nos
fala, entre em nós. Temos que reconhecer que o outro existe e que tem algo de
novo para nos dizer. E, ouvindo de verdade o outro, podemos pensar, trocar
ideias e aprender e criar novas realidades, juntos.
O rumor de nossas palavras só tem sentido porque nelas se reflete o mundo
infinito que está para lá de sua sonoridade, o mundo dos sentimentos, das
ideias e das grandes realidades, um mundo que possa entender melhor o silêncio.
Silêncio e palavra: dois instrumentos que se completam reciprocamente. Existe um silêncio que se pode chamar expressivo e
uma palavra silenciosa, ou melhor, um silêncio que fala, capaz de dizer
qualquer coisa e uma palavra muda, que diz nada a quem a escuta.
É nesta linha que o fazer poético de Christian Coelho se
enquadra. “Palavrador” busca, a cada poema, a cada palavra, a mudez
expressiva que muito tem a dizer a quem a escuta.
Assim, os poemas que Christian Coelho nos
apresenta neste livro nos ajudam a
pensar o presente para sonhar com o futuro: vivemos tempos difíceis, de
incertezas e fragilidades, mas não podemos esquecer que o passado também
apresentou grandes desafios que foram superados pela humanidade. Por esse
motivo, podemos e devemos sonhar com um futuro melhor, que ainda não foi
pensado nem escrito.
Este é o livro de um poeta que não receia pôr-se diante do espelho e
ver-se em profundidade com os “fantasmas” da sua verdadeira descoberta de homem
que procura no tempo a dimensão exata da sua presença no mundo.
O poema deste livro com
que Cristian Coelho inaugura sua trajetória poética sinaliza, de imediato,
algumas influências dialógicas. Por isso, merece que nos detenhamos mais
detalhadamente sobre ele.
Começa por nos dizer que “...sonho
a engravidar o tempo” ,fazendo lembrar Mia Couto ou remetendo-nos a
Saramago quando evoca um episódio da infância do escritor luso “...despediu
dos homens abraçando as árvores...”. Logo a seguir o poeta nos
alerta que “Eu é o outro...” em que o diálogo com o outro é um
imperativo do autor que se sente incomodado com “...a solidão da cidade...”.
E prossegue “Eu via a gente sem pão...” Seu olhar para os desvalidos da
sorte se faz presente de modo perturbador.
Christian Coelho revela os
seus sonhos “sonho da angústia da escrita, do circo como acrobata da dor que
salta sobre o vazio, um equilibrista na corda bamba do silêncio...” Neste, como em alguns outros poemas, o
autor mergulha na consagração do silêncio, a gente já pensou tanto, já teve
mãos por tantos lados, já dormiu e acordou – bom seria imaginar o espírito
apaziguado, a reconciliação do pensamento com a matéria do mundo.
O diálogo com a matriz
cultural portuguesa se faz presente relembrando a festa que foi a queda do
fascismo e a revolução dos cravos e a figura emblemática de Fernando Pessoa com
a sua poética de ”navegar é preciso”: “...bonita festa, pá/e a lavra do
cravo que crava na terra a revolução/tanto mar, é preciso navegar “.
Lançando mão de uma de
suas matrizes identitárias, o poeta nos conduz às Minas Gerais onde se garimpam
pedras e palavras: “...eu lavro a mina, as Minas e seu garimpo/Minas
palavra, pedra e abismo...”.
E seu poema se encerra com
chave de ouro, num sonho labiríntico que dialoga com o tríptico: palavra, lavra
e dor. Síntese perfeita “palavrador”: “...eu, labirinto/sonhei palavra,
sonhei a dor/cantei a lavra, palavrador...”.
A viagem poética segue seu
percurso ao longo do livro de Christian Coelho. Ele nos fala das mãos “Mãos,
parte de um corpo,/e mesmo cansadas, resistem”. (p. 24) Não se pode
sucumbir, é preciso resistir ...mas hoje amanhã/e depois/levantar é preciso
(p. 31)...Dança das mãos/com o lápis/sobre o papel (p. 20)...para
observar as invisíveis mãos/que com lápis de luz (p. 42). É esta capacidade
de o homem trabalhar com as mãos que o torna um inventor ativo, mãos que tocam
e deixam ser tocadas, um elemento de reciprocidade. Para o poeta a mão é
instrumento de pensamento e o poema requer um fazer, a técnica poética requer o
processo de pensamento utilizado pelo poeta é o meio para a materialização das
ideias. E faz-nos um alerta ...Há muita transcendência no mundo,/mas pouco
mundo (p. 49). Por isso, o poeta revela sua indignação perante a
desumanização do ser humano e suas palavras se tornam contundentes: ...É
isto um homem/caminhando em quatro apoios/sobre o lixo infinito e sob o céu/inalcançável/buscando
primitivamente/um pedaço de pão apodrecido?...(p. 58)
O autor retoma o silêncio Escutador
do/silêncio dos seres (p. 24). Antes de deixar ao leitor, ele mesmo,
confrontar-se com o silêncio refinado que Christian Coelho nos propõe, ficamos
aqui com o seu alerta: O silêncio daquele momento era incômodo. Sua força
levava-nos como se fôssemos empurrados repetidas vezes de um lado para o outro.
Palavras desconhecidas foram cantadas em nossos ouvidos pelo silêncio, de uma
maneira quase calada. E ele trazia consigo outros silêncios remotos e algo
ensurdecedores. Dizia-se que para nos lembrar de outro tempo, quase perdido. O
silêncio de um tempo em que éramos algo que sempre nos disseram que jamais
havíamos sido... (p. 41). E mais adiante Buscávamos/o silêncio; o
ensurdecedor silêncio interior/ávido em expressar-se (p. 56).
O silêncio é, portanto, o lugar de sentidos que se
fazem fora da representação da palavra, mas estão no imaginário humano, nas
tramas do que o sujeito aprende e transforma em fantasia, em imaginação.
Mas ao falar de silêncio,
esta palavra nos remete a outra: a do sonho. O poeta fala-nos do jogo/sonho das
crianças “...Ao final do jogo/o movimento cessava/e no fundo de cada
bolso/era levado o universo”. (p. 27) ...Na decadência da noite/os
sonhos batiam asas/pelo quarto (p.32). E nos aponta o sonho maior: o sonho
da liberdade ...surgiam sementes sonhadoras/e da imaginação brotava uma
flor/um chamado à liberdade (p. 51).
Christian Coelho empunha a
arma do lirismo ao desnudar a contradição relativa à forma perturbadora como
são vistos os poetas no mundo real e no da fantasia, concluindo Ou/os
bêbados, loucos e poetas/amados nos sonhos, nos filmes e nos livros/e
desprezados nos cotidianos e nas ruas (p. 50) ...aprisionados
pelo/instante/iludidos pelas excitações/do momento/apreciaram apenas/o esboço/o
acabamento/apagou-se (p. 37).
Amor, corpo e música estão
presentes no universo poético de Christian Coelho. O delicado erotismo coloca
em diálogo o corpo e a caligrafia das palavras: As curvas do seu
corpo/inspiravam as curvas da/caligrafia das minhas palavras no ar/pelas mãos
do sol. (p. 39). ...Se cada vida é feita de um só fio,/nossos fios se
entrelaçaram perenemente/em palavra, corpo e travessia (p. 40)...cada
verso/era a afirmação da potência/de ser e devir ( p. 45)... Belíssimo As
notas de um violão/se encontravam com bolhas de sabão/esculpidas (p. 38).
Momento é um poema brilhante. Saboreemos cada
palavra, cada sílaba: E a tarde chorava/naquele momento em que/não é
noite/mas também não é dia/nem claro nem escuro/um intervalo no mundo/talvez um
labirinto/uma barca do tempo à deriva/o momento/do acaso e do ocaso (p.
52).
O poeta faz sua viagem à
infância, ao seu alvorecer como ser humano. Ouçamos o que tem para nos dizer: O
que é ver pela primeira vez?/Ou o velho peixe que, encontrando dois peixinhos,
pergunta: “Como está a água hoje?”/E os peixinhos que, depois de um tempo, se
perguntam: “Mas o que é água?”... A primeira palavra é o nascimento do mundo...(p.
62).
Na pág. 67 emerge o poema
mais explosivo deste livro. Os senhores do mundo através de seus
porta-vozes/especialistas apoderam-se de um vocabulário “sui generis” para
ludibriarem as grandes massas exploradas. Christian Coelho não mede as
palavras: Poema tirado de uma notícia de jornal sobre a matemática do mundo
e a justiça de Deus e dos homens... Seis pessoas no mundo possuem mais da
metade de toda a riqueza do planeta./Mais da metade da população mundial,
extremamente pobre, detém menos de 1% desses recursos./Os especialistas,
divergentes, denominaram o quadro como democracia, livre mercado, livre
inciativa, livre concorrência, meritocracia, desenvolvimento, progresso,
liberdade...
Sua poética é
potencializada pelo jogo espacial da cartografia marítima e pela circularidade
de leitura que esta cartografia convoca. O poema “Aquele mar” remete o
leitor para os insondáveis mistérios e desafios do oceano. Naveguemos em alguns
dos fragmentos do poema: ...o mar e o amar e a metamorfose/do mundo no ir e
vir/das vidas e das ondas... delirante, no mar eu vejo um barco bêbado/eu vejo,
flutuando, o afogado mais bonito do mundo/eu vejo, andando nas águas, um poeta
vidente e via...(p. 73).
Outra via que o autor nos
propõe para se alcançar o lugar ocupado na História por tantos lutadores e
lutadoras é convidando leitor a encontrá-los nos intervalos dos golpes
contundentes de seus versos. Como não ficar emocionado com todos aqueles que
sacrificaram suas vidas por lutarem contras as tiranias e injustiças dos
poderosos? Mar/Eu ouço o mar e suas vozes./Vozes banto, vozes banzo, vozes
pranto./Vozes luto, vozes luta, vozes canto... Com os olhos marejados
.../eu ouço um canto./Eu ouço Martin, Malcolm,/Maria, Lamarca,/Marighella,
Marielle...(p. 90).
Na mesma cadência o autor,
através de seu poema “Raízes”, denuncia a agência colonial e seu projeto
desumanizador bem como a resistência a essa violência imposta ...Chegaram./Tomaram
a terra e a palavra./Cravaram no solo a cruz e a santa revelação./Não são
humanos, a terra é nossa./Direito divino./Em se plantando./E foi./Arderam
corpos e cosmogonias./Pedras e cantos./Mas/a palavra espoliada resiste./Volta e
revolta./E da terra/ensanguentada brotam/raízes e vozes...(p. 81).
O tempo esse “grande
escultor” também se faz presente na ourivesaria poética de Christian Coelho.
Ele se interroga ...Se um dia é o século das flores e uma noite é a idade
das estrelas/que tempo é esse o dos homens?...(p. 83)...Coisas do
tempo/e suas caligrafias de fogo/ardendo em instantes/memórias e imaginações...(p.
83)....E todos a olhar/O belo e o elo e o leve peso do voo/Ou a faca só
lâmina afiada como a vida/E o abraço da memória do tempo e do vento...(p.
86).
Se o poeta existe para transformar em palavras aquilo que o coração sente,
mas que poucas pessoas conseguem expressar, se ser poeta é conseguir mostrar ao
mundo as sutilezas ao nosso redor, já que são elas que embelezam o mundo e nos
dão esperança de dias melhores, como não ficar encantado com este hino à
poesia: ...Caleidoscópio
e alquimia/Mãos cavando o fundo dos olhos/Ou a pena, a tinta, o verbo e o
embrião./Ela dizia: o que você faria?/Não era poesia. Era vida.(p. 87) ...E mais adiante ...e a
poesia e os poetas/por aí/e perguntam – para quê?/não sei, não se sabe/mas a poesia
continua por aí/(caro Gelman)/de pé/contra a morte (p. 88).
Na pág. 92 o poeta dialoga
com sua identidade Eu/ouço/as ameríndias áfricas/que em mim/habitam...Ele
parte à descoberta do eu, do "estrangeiro que habita em nós", como um
processo de aprendizagem. Trata-se de uma narrativa de iniciação na busca da
essência humana, bem como da própria essência do viajante, que em seu
desvelamento, desvela a todos nós.
Nessa trajetória do poeta
a componente africana e ameríndia se faz presente. Esse sul que ele carrega e
cujas marcas se estilhaçam a cada traço de sua escrita, nos fazem mergulhar
nesses horizontes infinitos onde nos deparamos com as rotas marítimas. E sua
busca continua ...Ainda menino, lancei-me no centro da noite,/indagando o
mistério das estrelas./No mistério, cheguei ao centro de mim mesmo./Me vi no
centro da batalha, com armas nas mãos.(p. 108). Não ignora e presta a justa
homenagem a um gênio da música brasileira ...Perfeição/ele não acreditava na
perfeição/mas a imperfeição o incomodava muito/não/a voz/a batida/as mãos/o
violão/mas/o ouvido/de João Gilberto (p. 98).
Sua herança cultural
apresenta-se na despedida, deixando para a memória um papel primordial, já que
a memória é muito mais que uma colagem, uma montagem, uma reciclagem, uma junção.
Memória é tudo que pode deixar marcas dos tempos fragmentados que nós vivemos e
que nos permite, a todo momento, fazer surgir e reunir as temporalidades
passadas, presentes e que estão por vir... quando eu for/apenas memória/(por
vezes radiante, pálida outras tantas)/quando eu for/apenas uma
fotografia/envelhecida... quando eu for/tragado definitivamente/pela boca do
tempo/e já não restar uma/mínima marca/da minha existência/eu serei, então...(p.
108).
A repercussão desta
trajetória poética que o autor encetou neste “Palavrador” amplifica-se quando
nele adicionamos a sua “biografia”. Com efeito, Christian Coelho faz parte de
uma linhagem importante da literatura, aquela composta por pensadores que se
viram tomados pela urgência de escrever. À maneira de Borges, podemos
imaginá-lo nessa linhagem de poetas que estenderam a sua prática poética até
alcançarem o indizível.
Esse olhar depois da viagem que o
poeta empreende é um olhar diferente, mesmo quando se trata do olhar do leitor
que se constitui através (ou por mediação) da leitura, é um olhar que trata do
aqui e do além, do antes e do depois da experiência da viagem/leitura. Sendo
assim podemos dizer que na leitura dessa viagem o leitor torna-se participante
da mesma.
Seja como for, a escrita
aqui não é da ordem de um passatempo, mas um modo de tratar experiências de
vida. Inclusive aquela derivada da posição de estar diante de um ser humano que
vem em busca de alívio.
Pois bem, a lista dos
escritores “impertinentes” ou “inquietos” é rica e extensa, e a ela vem
juntar-se Christian Coelho, por um caminho que lhe é próprio.
É a palavra quem circula
entre o poeta e o leitor. Não deixa de ser um momento de celebração, no mundo
atual, ver a palavra ser valorizada, apreciada, incentivada por alguém cuja
prática cotidiana se confronta com as demandas as mais variadas e também com os
silêncios os mais variados.
Com este livro Christian Coelho nos conduz ao limiar de uma aventura no campo do labor
poético, onde combina, em diálogo harmonioso, a fantasia e a imaginação, a
palavra e o silêncio. Indispensável tomar conhecimento dessa aventura.
José de Sousa Miguel Lopes
Belo Horizonte, junho/2020
[1] Moçambicano,
com doutorado em História e Filosofia da Educação e professor na Universidade
do Estado de Minas Gerais.
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