sexta-feira, 28 de maio de 2021

Poema 77 da “Arte de bem morrer” - Casimiro de Brito

 





Poema 77 da “Arte de bem morrer”



Quem amou ainda ama,


vai ouvir a vida inteira a canção furtiva,


vai ouvi-la e cantá-la


ao acaso dos ventos que trazem


do Ocidente e do Oriente


árvores e respirações animais


que supuram a febre do mundo — quem amou


ainda ama, vai cantar a vida inteira


o ninho de mulheres onde se reúnem


a terra e o céu, vai aceitar


o domínio das águas sedentas


sobre o osso e a pedra: o grande ofício


é transformar a terra em osso


e o osso em carne


desamparada. Quem amou


não sabe nada, vai cair


a vida inteira. Mas que força é essa, se não é


um saber? Um saber de bocas invisíveis


e do enigma das águas que são álcool


da carne e pássaro que regressa


ao ninho da mãe. Quem amou


vai amar a vida inteira.





Casimiro de Brito



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