"Referências a Livros " - Casimiro de Brito
Referências
a Livros
49
Há livros onde leio sem cessar. E deles pouco sei. Como saber, de um homem ou
de uma árvore, alguma coisa?
60
Viajo pelo Tao há dezenas de anos. Feliz de mim, que pouco aprendi. Por isso
continuo embora tenha deixado um livro taoista pelo caminho, Na Via do Mestre.
66
Faço e desfaço o livro que me faz e desfaz.
84
Único livro que não se pode reler: o da vida.
134
A filha mais nova trouxe-me flores. Colocou-as diante de alguns livros de
sempre: Dante, Homero, Ovídio, Pessoa, Musaraki, Tao te-king _____ Essas flores
vão ficar ali para sempre. Para o meu sempre nesta casa.
156
Uma boa metáfora vale mais do que um livro de filosofia. Talvez interrogue
mais.
205
Ainda não aprendi a ler. Se me falta um livro falta-me quase tudo. E um livro
pouco mais do que nada é. Seja como for estou desejando de acabar esta viagem
para me tecer com A arte de amar, de Ovídio.
231
Um livro? Um rio. E do rio que dizer? Leio nele.
246
O que faço quando não faço nada? Se pudesse responder a esta questão escreveria
um livro infinito.
263
Viajo no caminho dos livros como quem atravessa rios e países e homens e outros
animais.
287
De que vale um livro (ou um poema ou um aforismo) se não tem silêncio dentro
dele?
302
Um bom livro não se esgota. É longo como a vida de quem o lê. Em cada leitura o
livro é um novo livro na medida em que o seu leitor se vai transformando.
420
Todos os livros que li foram terras novas para mim. Todas as terras por onde
passei foram livros por um momento habitados. Todas as pessoas que conheci
foram livros e terras de que ainda lembro paisagens, fragmentos.
464
Leio no ar e, depois de ter lido, não preciso de arrumar o livro.
502
Um livro. Lembrar-me que tenho entre as mãos um pouco de madeira onde um mundo
está escrito. E depois olho para uma árvore. Quantos livros estão nela
escritos? Quantos por escrever?
550
Há livros que se leem e livros onde se lê. Só os segundos me interessam.
566
Todo o livro tem um sexo. E, às vezes, tem os dois.
580
O melhor de um livro — esses rios cruzados — são algumas, poucas gotas de água.
597
Há rios que vieram
para ficar. Certos poemas,
por exemplo. Certos corpos
que parecem livros
que vou abrindo
devagar.
622
Um livro é sempre uma interrogação. Ainda que se escrevam apenas pequenas
frases afirmativas.
643
Leio o que já não lerei no futuro. Outras coisas lerei — e, de outros sentidos,
serei livro ou tabuínha.
679
Um livro, uma biblioteca sobre a vida que se destrói (uma nova Alexandria) com
uma só pergunta: mas o que é não-vida?
687
Livro que não sorri não é livro. E basta abri-lo onde quer que seja. Se
provocar um sorriso — há livro! Seja ele sobre o amor ou sobre a morte — mas
não são eles, o amor e a morte, um casal inseparável?
725
Assisto encantado à leitura da minha amiga. Não sei muito bem o que ela lê. Mas
sei muito bem o que leio. O seu corpo nu vestido por um livro. Que livro será?
731
Regresso ao Livro. A este e a outros regresso. Livros, que livros? Também o ar
que respiro já é outro.
745
Só me interessa ler quem me puxa para a escrita. E podem não ser livros. Ou,
tudo é livro.
Casimiro de Brito
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