DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
Por muito tempo não conseguia enxergar quando estava diante de um ato racista. Até porque uma neblina me impedia de ver que era de fato negra. Mesmo sabendo que branca não era – uma confusão bem comum no Brasil do colorismo. Mas aprendi que não é só quando alguém delimita o que é ou não coisa de preto que o racismo acontece.
Para ler o texto completo de Juliana Gonçalves clique aqui
Leia “Racismo não dá descanso e impacta a saúde e o
trabalho dos negros no Brasil” de Beatriz Sanz clicando aqui
Leia “No futebol, a face mais explícita do racismo que “faz parte do jogo” de Breiller Pires clique aqui
Livros discutem escravidão e outras formas de violência à
população negra
FERNANDA MENA
DE SÃO PAULO
20/11/2017
Uma classe de crianças brancas de oito e nove anos foi separada em
dois grupos de acordo com a cor de seus olhos e apresentada à assertiva de que
pessoas de olhos azuis eram mais espertas, limpas e civilizadas que as de olhos
castanhos.
O impacto da diferenciação, reiterada pela professora, foi rápido
e evidente: em poucas horas, "olhos castanhos" havia se tornado um
xingamento entre os colegas, e aqueles tratados como inferiores demonstraram
dificuldades incomuns nos exercícios em sala de aula.
No dia seguinte, a situação foi invertida, e as crianças de olhos azuis, agora diminuídas, tiveram pior desempenho ao repetir tarefas executadas com êxito no dia anterior.
O experimento, elaborado pela professora americana Jane Elliott no
dia seguinte ao assassinato do ativista negro Martin Luther King, em 1968, foi
registrado em vídeo –hoje disponível na internet–, e traz indícios dos efeitos
da discriminação sobre a subjetivação dos indivíduos e suas capacidades.
É a esta exploração que se dedica a recém-lançada coletânea
"O Racismo e o Negro no Brasil: Questões para a Psicanálise",
organizada por Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia da Silva e Cristiane Abud, a
partir de debates do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo.
O livro reúne 16 artigos sobre a escravidão (o Brasil foi o último
país a aboli-la) e sua transmutação em outras formas de violências que
impactam, física e simbolicamente, a maioria da população do país.
PROPORÇÃO
Segundo o IBGE, 54% dos brasileiros declaram ser pretos ou pardos,
mas essa proporção raramente se repete nas estatísticas do país.
Negros são minoria entre os brasileiros mais ricos (18%), os
diretores de empresas (5%) e aqueles que concluem o ensino superior –em cursos
como o de medicina, eles não chegam a 5% por formandos.
Por outro lado, negros têm enorme peso entre os brasileiros mais
pobres (75%), vítimas de homicídio (71%), mortos por intervenção policial (76%)
e na população carcerária (67%). Os dados são do IBGE, do Banco Interamericano
de Desenvolvimento, do Instituto Superior de Ensino e Pesquisa e do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
"O racismo é
um evento de longa duração, que perpassa toda a nossa vida. Não nos dá descanso
e afeta nossa saúde física e mental ao produzir imagens distorcidas e
depreciativas do negro ", avalia a psicanalista e ativista negra Maria
Lúcia da Silva, coordenadora do Instituto Amma, Psiqué e Negritude.
"TCHAU PARA O NEGÃO"
Foi a partir de um protesto dela que o livro tomou forma.
Numa aula do instituto sobre psicanálise e sexualidade infantil,
em que se discutia a relação do bebê com seu produto (as fezes), um aluno
relatou ser comum dizer para as crianças, à beira do vaso: "dá tchau para
o seu negão!". A fala teria passado desapercebida não fosse a indignação
de Silva, a única negra da sala.
"Foi um choque", lembra Moritz Kon, que ministrava o
curso. "Como é que eu, psicanalista, judia e irmã de uma estudiosa da
escravidão [a historiadora Lilia Moritz Schwarcz], não ouvi aquela fala do
mesmo jeito que a Maria Lúcia?", questiona-se. "Percebi que o racismo
é um fenômeno que atravessa todos nós, criando um imaginário do negro como uma
pessoa pior."
Três episódios recentes ilustram essa imagem construída sobre
negros no país.
O jornalista da Globo William Waack, flagrado ao classificar um
buzinaço de "coisa de preto"; o ministro do STF Luís Roberto Barroso,
que chamou o ex-ministro Joaquim Barbosa de "negro de primeira linha"
e dona Diva Guimarães, professora aposentada que cresceu ouvindo de freiras da
escola que o negro tinha a pele escura porque era preguiçoso e chegara tarde
demais para banhar-se no rio, cujas águas já estavam barrentas.
História semelhante está em "Macunaíma", de Mário de
Andrade, tido como obra fundadora do imaginário social brasileiro.
Reconhecer o racismo em si, no entanto, é coisa rara: 91% dos
brasileiros avaliam nossa sociedade como racista, mas apenas 3% admitem ser preconceituosos,
de acordo com pesquisa Datafolha.
Segundo Kon, os psicanalistas, em sua maioria brancos, não
percebiam este tema como relevante. A baixa presença de negros no divã ajudou a
distanciar os profissionais do tema.
Uma sessão de terapia pode custar centenas de reais. Negros
recebem, em média, metade do rendimento dos brancos –diferença que deve se
equiparar apenas em 2089, segundo estimativa da ONG britânica Oxfam.
NEGAÇÃO
"Ainda assim, aqueles que chegam aos consultórios muitas
vezes não encontravam escuta para o sofrimento gerado pelo racismo", diz
Kon. "Negar que os nossos escravizados se tornaram cidadãos de segunda
classe e que essa desigualdade existe até hoje é algo capaz de enlouquecer uma
pessoa ou de causar uma apatia terrível."
Para o psicanalista Jurandir Freire Costa, o racismo foi
subestimado como tema psicanalítico no Brasil. Ele prefaciou o livro
"Tornar-se Negro" (1983), obra pioneira nesta abordagem, de Neusa
Silva Souza, cujo suicídio deu contornos ainda mais trágicos a este debate.
Freire Costa aponta que, parasitado pelo racismo, o negro
internaliza compulsoriamente um ideal de brancura inalcançável, que o leva a
rejeitar sua identidade, cor e corpo, restringindo suas expectativas e
potencialidades. "Não há dúvida que isso impacta o país como um
todo."
A grande novidade, diz ele, é o recente protagonismo e a
valorização dos negros de sua imagem e identidade.
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NEGRITUDE
Nos últimos 22 anos, aumentou o número de brasileiros que se
declaram pardos (de 29% para 45%) e pretos (de 12% para 16%) enquanto houve queda
de 30% naqueles que se atribuem a cor branca (de 50% para 35%).
A mudança remete ao caso do jogador Neymar que, em 2010, aos 18
anos, declarou não sofrer preconceito: "Até porque não sou preto,
né?", disse. Quatro anos depois, estrelou a campanha "Somos Todos
Macacos", capitaneada pelo colega Daniel Alves, para quem havia sido
atirada uma banana em campo.
"A experiência do racismo leva ao auto-ódio. Quem quer ser
negro numa sociedade que o desvaloriza, destrata e desumaniza? ", explica
a filósofa e ativista Djamila Ribeiro, que acaba de lançar "O Que É Lugar
de Fala?", em que questiona quem tem direito à voz numa sociedade em que
as posições de poder, que determinam discursos e saberes, são majoritariamente
ocupadas por homens brancos.
"Sem acesso aos espaços de poder de maneira proporcional, a
produção epistemológica dos negros fica invisível, e eles se tornam reféns do
pensamento do outro porque nunca são pensados a partir de si mesmos", diz.
"O maior acesso à universidade e as redes criadas pela internet, no
entanto, estão mudando isso, permitindo que a gente faça mais barulho."
E durma-se com um barulho desses.
RACISMO E O NEGRO NO BRASIL: QUESTÕES PARA A
PSICANÁLISE
ORGANIZADORAS Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia da Silva e Cristiane Curi Abud
EDITORA Perspectiva
QUANTO R$ 29,90 (304 págs.)
ORGANIZADORAS Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia da Silva e Cristiane Curi Abud
EDITORA Perspectiva
QUANTO R$ 29,90 (304 págs.)
O QUE É LUGAR DE FALA?
AUTORA Djamila Ribeiro
EDITORA Letramento
QUANTO R$ 19,90 (96 págs.)
AUTORA Djamila Ribeiro
EDITORA Letramento
QUANTO R$ 19,90 (96 págs.)
TORNAR-SE NEGRO
AUTOR Neuza Santos Souza
EDITORA Graal
QUANTO fora de catálogo (88 págs.)
AUTOR Neuza Santos Souza
EDITORA Graal
QUANTO fora de catálogo (88 págs.)
MACUNAÍMA
AUTOR Mário de Andrade
EDITORA diversas (obra está em domínio público)
QUANTO R$ 14 (184 págs.)
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EDITORA diversas (obra está em domínio público)
QUANTO R$ 14 (184 págs.)
FONTE: Aqui
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