Testemunho sobre filhos, museus e o nu
Testemunho sobre filhos, museus e o nu
Marcius Melhem
FOLHA
DE SÃO PAULO - 15/10/2017
Fui
uma criança sem museus. Mais que isso, fui uma criança sem o nu que os museus
exibem. E posso testemunhar o que isso causa.
Mas
antes vou falar sobre duas crianças que, aos oito anos, já viram alguns museus
e, neles, vários nus: Manuela e Nina, minha filhas.
Nas
férias de julho as levamos ao Louvre. Era um grupo grande de crianças, com uma
guia brasileira radicada na França e especializada em explicar arte a pequenos.
Lá,
meninos e meninas viram muitas representações do nu. Aprenderam sobre as
diferentes visões do corpo humano, observaram esculturas e telas, arte grega e
romana, enfim... um banho de cultura.
Nas
três horas de passeio nenhuma das quase 20 crianças fez qualquer piadinha
erótica ou qualquer menção ao corpo que não estivesse no contexto da arte. Elas
queriam mesmo entender como o corpo era visto e representado. A única coisa que
chocou as crianças foi a perfeição das esculturas, como a "Psiquê revivida
pelo beijo de amor", de Antonio Canova, que fez com que elas dessem voltas
e voltas em torno da obra pra ver todos os detalhes.
O
que se viu naquela manhã foram menores em um ambiente de arte, monitoradas por
seus pais, enriquecendo seu universo, aprendendo cultura e história ao mesmo
tempo.
O
nu estava naturalizado, olhado com interesse artístico, e foi lindo ver a
reação delas.
Voltando
à criança que não teve acesso a museus, posso dizer em contraponto o que isso
me causou. Lá nos anos 1980 aprendi o que era o nu feminino nas páginas da
"Playboy", nos filmes da Sala Especial, nas revistas de historinhas e
fitas VHS que nós trocávamos escondidos dos pais.
Aprendi
sobre o corpo humano da forma mais erótica e grosseira –sem beleza, sem arte,
olhando a mulher como um objeto do prazer alheio. Demorei a combater isso em
mim e ainda hoje estou atento às sequelas dessa pré-adolescência onde o nu era
proibido, escondido, não natural.
Querer
proibir o acesso ao nu artístico com a desculpa de proteger crianças, além de
desleal, é burro. Esta visão diz muito sobre quem a tem.
Talvez
essas pessoas sejam o adolescente que eu fui, mas sem se recuperar a tempo. Não
à toa entre os arautos da moralidade está um deputado que foi flagrado vendo
vídeos pornôs no meio do plenário em 2015.
Lógico
que a criança não pode ter acesso a tudo. E como pai estou atento. Ultimamente,
por exemplo, tenho procurado restringir o acesso das minhas filhas ao conteúdo
da TV Câmara e da TV Senado.
FONTE: Aqui
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