domingo, 29 de outubro de 2017

A verdadeira liberdade

Resultado de imagem para A verdadeira liberdade

A verdadeira liberdade

Alex Castro
14/10/2107
Se a liberdade é simplesmente podermos realizar esses desejos que pipocam dentro de nós, vindos sabe-se lá de onde, então, a pessoa dita livre não passa de um veleiro à deriva, indo para lá e para lá ao sabor dos elementos. Mas a liberdade não está nas velas ou nas marés: está em não ser refém dos meus apegos e das minhas compulsões, dos ventos que me sopram ou das correntes que me puxam. A verdadeira liberdade é poder decidir para onde vou navegar esse barco. A verdadeira liberdade é o leme.

 Liberdade não é eu ver uma foto impossivelmente deliciosa de carne prensada entre duas fatias de pão, e ter a renda e a disponibilidade de me deslocar até um restaurante, comprar esse produto e consumi-lo. A verdadeira liberdade é não permitir que essa foto, por mais apetitosa que me pareça, determine o que vou fazer a minha vida. Não é adicionar mais técnicas avançadas de autocontrole (“preciso controlar minha gula!”) em cima do controle que o anúncio já exerce sobre mim (“você merece esse sabor!”) mas simplesmente me livrar do controle do anúncio. Não mais autocontrole, menos autocontrole. A gula, a vaidade, a preguiça, se eu não ceder a elas, também desaparecem: posso sentar na estação e não preciso embarcar em nenhum dos trens que passam.
Para muitas de nós, o maior inimigo da liberdade são os muros externos da prisão: queremos que ninguém nos impeça de viajar livremente, de casar livremente, de escrever livremente. Garantir essas importantíssimas liberdades é uma das lutas políticas mais importantes de nosso tempo e de qualquer tempo. Infelizmente, a maioria das pessoas jamais será limitada pelos muros externos pois já introjetaram muros internos mais poderosos e mais eficazes. O que me impede de viajar livremente, casar livremente, escrever livremente sou eu mesmo, meus próprios preconceitos e minhas limitações.
Por exemplo, o que impede pessoas do mesmo sexo de se casarem livremente é o fato de terem nascido e crescido, viverem e pensarem, em uma sociedade homofóbica em sua raiz, homofóbica em cada um de seus aspectos mais elementares, que representa negativamente pessoas homossexuais em todas as esferas políticas, religiosas, culturais. (Todas crescemos “sabendo” que gostar de pessoas do mesmo sexo é pecado. Então, um dia, sentimos os primeiros desejos homossexuais e descobrimos, para nosso horror, que aquela pessoa tão ruim que todo mundo usa como xingamento... somos nós!) Em um contexto sociopolítico como esse, a proibição ao casamento homossexual pode ser vista somente como uma redundância do sistema, um quase desnecessário mecanismo de segurança, um distante muro externo para impedir a fuga das poucas radicais incorrigíveis que conseguem vencer o muro interno.
Se não derrubarmos os invisíveis e socialmente aceitos muros internos, a luta política para tentar derrubar o visível e imponente muro externo será irrelevante, praticamente um capricho bem-alimentado para que a elite pensante e criadora-de-caso se mantenha ocupada — “toma aí essa militância política pra você brincar”. A luta contra o muro externo é, em larga medida, irrelevante porque, na prática, o muro externo é irrelevante: ele só está lá como símbolo concreto do nosso conformismo, um monumento à nossa mansidão. Contra um povo que derrubou seus muros internos, não mais controlado pela publicidade, não mais refém de suas compulsões, não mais apegado aos seus preconceitos, o muro externo não duraria cinco minutos. Não era o Muro de Berlim que impedia ninguém de nada: era o medo. Quando acabou o medo, o muro caiu na mesma noite.


Liberdade não é se livrar de controles externos: é se livrar dos controles internos, das compulsões desse Eu tão cheio de vontades, e perceber que sempre fomos livres. Se a liberdade não fosse nosso estado natural, não seria necessário gastar tanto dinheiro para nos convencer que xarope de cola com açúcar é gostoso. Infelizmente, muitas das pessoas mais livres e destemidas da Alemanha Oriental foram fuziladas contra o Muro de Berlim. Ser livre pode ser perigoso, mas é sempre melhor do que ser escrava – mesmo que apenas escravas de nós mesmas, escravizadas pelos delírios e pelas compulsões desse Eu que inventamos.

Fonte: Aqui

0 comentários:

  © Blogger template 'Solitude' by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP