"Amo o poder secreto das mulheres " - Casimiro de Brito
Amo o
poder secreto das mulheres. E quanto mais anos tenho mais próximo me sinto da
sua essência: só me interessa o amor, e dizê-lo: o amor ancorado na liberdade,
na libertinagem, e que seja nos dois sentidos. Por mim estou sempre próximo
desse amor, desse estado de imersão na atração fatal, no perfume da morte. O
tempo ensinou-me a adorar cada vez mais a Mulher, as mulheres, o que tem a ver
com o reconhecimento de que, mais do que complementares, me são — as grandes
mulheres — superiores; e depois porque a prática da vida me levou a descrer de
quase tudo o resto. Voltemos à atração: não me atraem naturalmente todas as
mulheres, pelo contrário, sou muito exigente nas minhas escolhas e aquiescente
nas escolhas que de mim elas têm feito. Que mulheres então me atraem? As que
possuem o que nelas é natural: a beleza, a ternura e o entendimento. Sim, em
todas estas qualidades elas são mais gloriosas do que nós. Vejamos a beleza:
para mim, a beleza delas não tem nada a ver com a idade. A beleza delas tem
mais a ver com o facto de serem medianeiras entre a terra e o céu, de possuírem
uma ferida que sangra mesmo quando já não há sangue. Depois vem a ternura: elas
são compassivas (no único sentido, aliás oriental — as mulheres são todas
orientais! — que dou à palavra), elas aceitam com mais ternura o mundo, o que
em muito se deve à sua aparente fragilidade, e nada me comove tanto como um ser
frágil, uma folha, um menino acabado de nascer, um seio, uma mulher! E por fim
vem o entendimento, a sua inteligência profunda, que nada tem a ver com a dos
homens, superficial e cheia de cálculo: como se elas fossem inteligentes com o
corpo todo e nós apenas com o cérebro e com os músculos — as classificações e a
arte da caça. E há que refletir sobre a caça, sobre a ambição, sobre a
destruição: porque é aqui que reside a nossa maior fragilidade, a incapacidade
de amar sem caçar, sem matar. E o caçador é sempre, em meu entender, um pobre
caçado — e, precisamente, porque a vida é música e dança e o nosso estado de
morte um equilíbrio perfeito com o nosso estado de vida, de
inspiração/expiração. E mais a fragilidade, quero dizer a aceitação das coisas
mínimas, compreensão dos jardins que, na sua mudança, são mais vulneráveis e
puros. Em tudo isto a mulher é melhor do que eu, homem — e por isso me atraem e
subjugam. Fazem de mim um ser feliz. E por isso também eu sou um pouco
feminino, um eterno apaixonado ou alguém que vive em estado de aproximação da
paixão, seja ela fatal, ou nem tanto. Mas o que parece simples (“encontra uma
mulher e tens o caso resolvido”) não é. Porque só a mulher completa possui
esses três atributos: a beleza, a ternura e o entendimento. E, sendo certo que
elas são quase todas completas, dispõem ainda de mais um atributo, a sua maior
capacidade para escolher: pois são elas quem nos escolhe, ou, pelo menos, são
elas quem procura instintivamente, irmãs que são da natureza, o sopro que lhes
falta. A mulher que amo, ou vou amar, tem de ser mãe e filha, água e terra,
música e silêncio, e ainda não sei onde está ou se existe. Vou procurando.
Casimiro
de Brito
Fragmento do “Livro de Eros”
0 comentários:
Postar um comentário