Crise brasileira
O povo pode desfazer as
leis que ele mesmo fez e destituir instituições
Vladimir Safatle
Folha de São Paulo -
19/05/2017
Devemos
obedecer a um governo ilegítimo? Devemos aceitar ordens de quem, de forma
explícita, se mostra capaz de servir-se do governo para impedir o funcionamento
da Justiça ou para fazer passar leis que contrariam abertamente a vontade da
maioria? Essas perguntas devem ser lembradas neste momento. Pois a adesão
pontual do povo a seu governo não se dá devido à exigência da lei, mas devido à
capacidade dos membros do governo de respeitarem a vontade geral.
Essa capacidade está
definitivamente quebrada. Não. Na verdade, ela nunca existiu. Se quisermos ser
mais precisos, devemos dizer que apenas se quebrou a última de todas as
aparências. O desgoverno Temer não consegue nem sequer sustentar uma aparência
de legitimidade. Cada dia a mais desse "governo" é uma afronta ao
povo brasileiro. O que nos resta é a desobediência sistemática a todas as ações
governamentais até que o "governo" caia.
Temer entrará para a história
brasileira não apenas como o primeiro vice-presidente a ter conspirado
abertamente contra sua própria presidenta até sua queda final. Ele será
lembrado como o primeiro presidente a ser pego operando diretamente casos de
tráfico de influência (o caso de seu antigo ministro da Cultura sendo obrigado
a liberar uma licença para viabilizar o apartamento de Geddel Vieira) e de
pagamento para silenciar presos.
Exatamente no mesmo momento em que esse senhor exigia do povo
brasileiro "sacrifícios" ligados à destruição de condições mínimas de
trabalho e garantia previdenciária ele pedia ao dono da Friboi que continuasse
a dar mesada para presos ficarem calados. O mesmo que entregará o país com 14
milhões de desempregados e mais 3,6 milhões de pobres garantiu lucros recordes
para os bancos brasileiros no último trimestre.
Agora, alguns acham que o
Brasil deve seguir então "os procedimentos legais" e empossar o
investigado Rodrigo Maia para que convoque uma eleição indireta para
presidente.
De todos os disparates nesta
república oligárquica, este seria o maior de todos. Em um momento como o atual,
o país não deve recorrer a leis claramente inaceitáveis, ainda mais se levarmos
em conta a situação em que vivemos. Afinal, como admitir que um presidente seja
escolhido por um Congresso Nacional de indiciados e réus, fruto de um sistema
incestuoso de relações entre casta política e empresariado que agora vem a
tona?
Uma das bases da democracia é
não submeter a soberania popular nem a decisões equivocadas feitas no passado,
nem a instituições aberrantes. O povo não é prisioneiro dos erros do passado,
mas sua vontade é sempre atual e soberana. Ele pode desfazer as leis que ele
mesmo fez e destituir instituições que se mostram corrompidas.
Por essa razão, o único passo
na direção correta seria a convocação extraordinária de eleições gerais, com a
possibilidade de apresentação de candidaturas independentes, para que aqueles
que não se sentem mais representados por partidos possam também ter presença
política.
Que o Brasil entenda de um
vez por todas: em situações de crise, não há outra coisa a fazer do que
caminhar em direção ao grau zero da representação, convocar diretamente o povo
e deixá-lo encontrar suas próprias soluções. Toda democracia é um "kratos"
do "demos", ou seja, o exercício de uma força ("kratos")
própria ao povo em assembleia. Essa é a única força que pode abrir novos
horizontes neste momento.
Pois que não se enganem. Como
já dissera anteriormente neste espaço, Temer não existe. Esse operador dos
escaninhos do poder, acostumado à sombras e aos negócios escusos, sempre foi
politicamente ninguém.
Quem governa efetivamente é
uma junta financeira que procura reduzir o Estado brasileiro a mero instrumento
de rentabilização de ativos da elite patrimonialista e rentista. A mesma junta
que impõe ao país "reformas" que visam destruir até mesmo a
possibilidade de se aposentar com uma renda minimamente digna. Ela tentará
continuar no governo independentemente de quem seja o manobrista no Palácio do
Planalto. Ela tentará o velho mote: "Tudo mudar para que nada mude".
Mas, para isso, precisará deixar o povo afastado de toda decisão
política.
FONTE: Aqui
Punições leves são péssima
sinalização para o futuro
BRUNO CARAZZA
ESPECIAL PARA A FOLHA
20/05/2017
No
já clássico livro "Por que as Nações Fracassam?" (2012), Daron
Acemoglu (MIT) e James Robinson (Harvard) analisam diversos países ao longo da
História para identificar por que alguns crescem com distribuição de renda e
outros só produzem atraso e desigualdade.
A
principal conclusão do livro é que sociedades que permitem uma relação
umbilical entre sua elite econômica e o grupo que ocupa o poder tendem a
produzir políticas públicas concentradoras de renda e antidemocráticas.
O
sistema funciona num ciclo vicioso e reiterado em que empresários obtêm
benefícios estatais em troca do pagamento de propinas e doações de campanha que
permitem aos políticos permanecerem no poder.
A
assinatura dos acordos de delação premiada entre a Procuradoria-Geral da
República e executivos da Odebrecht e, nesta semana, do grupo JBS, deixaram às
claras como o Brasil funciona segundo o modelo de Acemoglu & Robinson.
Negociadas
sob o amparo da legislação contra organizações criminosas (Lei nº 12.850/2013),
as "colaborações premiadas" da Operação Lava Jato têm o potencial de
exterminar praticamente toda a geração de políticos que emergiu com a Nova
República. No entanto, as condições oferecidas aos executivos e às suas
empresas podem estar poupando uma das engrenagens desse sistema.
De
acordo com os termos acordados com a PGR, os irmãos Joesley e Wesley Batista e
mais 5 executivos do grupo pagarão uma multa de R$ 225 milhões em troca de
perdão judicial pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e seus correlatos.
No
caso específico de Joesley Batista, a multa será de R$ 110 milhões. Fazendo jus
a sua fama de empresário de sucesso nas negociações com o Estado, o valor será
parcelado em 10 prestações anuais corrigidas pelo IPCA - sem juros e com a
primeira parcela a ser depositada apenas em 01/06/2018! Um detalhe importante:
o patrimônio pessoal declarado de Joesley Batista é de R$ 1,3 bilhões de reais.
Por
mais louvável que seja o trabalho da Operação Lava Jato em desnudar a podridão
do sistema político brasileiro, as condições oferecidas pela PGR para os
executivos parecem muito descalibradas.
Mesmo
que a empresa concorde em pagar os R$ 11,2 bilhões pedidos pela PGR para
celebrar um acordo de leniência - a "delação premiada" das empresas -
estamos tratando de um grupo que teve seu faturamento multiplicado por 40 (!)
nos últimos anos à custa de operações do BNDES, benefícios fiscais, crédito
público subsidiado e outros incentivos estatais.
É
difícil aferir qual seria o desempenho do grupo JBS e a evolução das finanças
pessoais de Joesley e Wesley Batista se não houvesse a política de
"campeões nacionais" implementadas pelo governo federal desde meados
da década passada. Da mesma forma, é praticamente impossível afirmar como
estaria hoje a Odebrecht se não tivesse se fartado de contratos de obras
públicas obtidos de modo ilícito nas últimas 5 décadas.
De
acordo com as regras de funcionamento do nosso capitalismo de compadrio, o
sucesso de boa parte de nossas grandes empresas foi construído mediante
corrupção, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro. No melhor estilo
"rent seeking", nossos empresários investem em "relações
institucionais" em vez de bens de capital, tecnologia e produtividade da
mão-de-obra.
Ao
concordar em oferecer multas baixas (em relação ao seu patrimônio e
faturamento), condições favoráveis de pagamento e imunidade judicial para os
executivos para obter informações sobre os políticos, a PGR faz uma opção clara
pela estratégia de terra arrasada com a classe política.
O
problema é que, ao aliviar dessa maneira a punição aos criminosos pertencentes
à elite econômica, a PGR oferece uma péssima sinalização para o comportamento
empresarial no futuro. Os acordos de colaboração premiada têm transmitido a
impressão de que, uma vez pegos praticando crimes contra a Administração
Pública, basta aos corruptores confessar e entregar os nomes de agentes
políticos ou servidores públicos que deixaram-se corromper para ter a pena
aliviada consideravelmente.
E
esse pode ser o legado nefasto deixado pela Operação Lava Jato: a de que, do
ponto de vista do empresário corruptor, o crime compensa. Independentemente de
quais políticos estiverem no poder.
BRUNO
CARAZZA é
doutor em Direito (UFMG) e mestre em Economia (UnB). É autor do blog Leis e
Números
FONTE: Aqui
Para entender a lógica e o timing da Lava Jato
Brasil é vítima da ação perversa de quatro cavaleiros do apocalipse: políticos, empresários,
burocratas e mídia. Se isso persistir, o poço seguirá sem fim.
Para ler o texto completo de Antonio Lassance clique aqui
Na República do Moro e Dallagnol, Aécio e Temer eram tratados como anjinhos
A revelação em detalhes cinematográficos de crimes de Aécio e Temer deixa integrantes
de Curitiba da força-tarefa da Lava Jato em situação desconfortável.
Para ler o texto completo de Jeferson Miola clique aqui
Lava a Jato e Mídia: o fermento do ódio na formação de valores antidemocráticos
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