quarta-feira, 2 de março de 2016

O obsceno em cena

Cinema: Marlon Brando e Maria Schneider em cena clássica do filme "O Último Tango em Paris", de Bernardo Bertolucci. (Foto: Divulgação) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Divulgação

Marlon Brando e Maria Schneider em cena do filme "O Último Tango em Paris", de Bernardo Bertolucci

O obsceno em cena

Manuel da Costa Pinto                                 

21/02/2016 

Não precisa tirar as crianças da sala nem colocar o livro na prateleira mais alta da estante. "Cinema Explícito", do sociólogo Rodrigo Gerace, é uma pesquisa sobre as "Representações Cinematográficas do Sexo", conforme seu subtítulo. Reproduz algumas imagens exemplares de filmes eróticos e pornográficos e faz um levantamento minucioso e analítico dessa filmografia –podendo perfeitamente servir de guia para onanistas e "voyeurs" metódicos.
Mas seu ponto forte são discussões sobre o que distingue o erótico, o obsceno e o pornográfico, mostrando, a partir de autores como o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) e a ensaísta norte-americana Susan Sontag, as oscilações que o próprio sexo vai sofrendo ao longo da história do cinema –de esfera pecaminosa e proibida a ato transgressivo e político, passando pelas vanguardas e pela indústria do entretenimento.
Da produção dos "stag films" dos primórdios do cinema até a proliferação, a partir dos anos 1990, de fitas cassete e DVDs de sacanagem para consumo doméstico, Gerace descreve uma evolução que leva de um voyeurismo passivo para uma identificação maior do espectador com os atores em cena.
"O senso comum considera a pornografia suja, negativa, explícita; enquanto o erotismo é visto sem preconceito, é sublime, reflexivo, simulado, 'limpo', organizado", diz Gerace. Na contramão do clichê, ele relaciona filmes que lançaram mão dos recursos "sórdidos" da pornografia para produzir arte e, sobretudo, para produzir uma reflexão sobre desejos e fetiches que não exclui a intenção (comercial e ideológica) de excitar o espectador.Entre um ponto e outro, coloca uma questão tanto estética quanto moral: o que distingue o erotismo do cinema "mainstream" ou autoral (de diretores como Buñuel, Pasolini, Bertolucci, Patrice Chéreau e Lars Von Trier) do sexo explícito que vemos no pornô?
Por isso, um dos capítulos mais interessantes é o que trata dos cinemas "underground" ("floração tardia das vanguardas europeias") e "queer", cujas perversões não apenas se equiparam às dos sites pornôs, mas transgridem convenções sobre o grotesco e o extravagante, sacralizando-os como o faz Pedro Almodóvar.
Se o obsceno é aquilo que está "fora de cena", que deve ser escondido, e se a pornografia é o "discurso veiculador do obsceno", a distinção já não faz mais sentido. O que faz sentido é algo implícito em "Cinema Explícito": ver na compulsão pelo realismo da pornografia, na fissura pelo detalhe anatômico, uma fragmentação da realidade e a busca não apenas do preenchimento imaginário dos orifícios do corpo, mas de suprir uma falta, um vazio, que corresponde à própria dinâmica amoral do desejo.

LIVRO CINEMA EXPLÍCITO 
AUTOR: Rodrigo Gerace
EDITORA: Perspectiva/Sesc (320 págs., R$ 72)


FONTE: Aqui

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